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O perigo de nunca sentir dor

17/10/2014
Sentir dor é motivo constante de sofrimento humano, mas senti-la é essencial para a nossa sobrevivência. Segundo o neurocirurgião funcional, Claudio Fernandes Corrêa, embora seja sinônimo de sofrimento, a dor é importante ao representar um alerta de que algo no organismo não está bem. 
 
Existe, entretanto, quem nunca sente dor. São pessoas portadoras de analgesia congênita – doença que incapacita o indivíduo de sentir dor. “A doença é causada por uma disfunção do sistema nervoso central que impede o indivíduo de perceber qualquer estímulo doloroso, seja ele um corte, fratura ou queimadura, o que consequentemente o expõe a riscos constantes e feridas graves que podem evoluir para infecções e amputações de membros”, alerta o médico, que é coordenador do Centro de Dor e Neurocirurgia Funcional do Hospital 9 de Julho, na Capital.

Cada um sente de seu jeito
A dor pode ser classificada em dois tipos: aguda (causada por um traumatismo, um procedimento cirúrgico ou uma inflamação, que cessa num período curto) e crônica (de duração contínua e que exige cuidados constantes, pois debilita com o passar do tempo). Segundo o neurocirurgião, em geral ela não deriva de uma só causa, mas sim de vários fatores que interagem e favorecem o seu desenvolvimento.
 
“Cada pessoa sente dor de um jeito e tem determinada tolerância a ela. Por isso é difícil quantificar a dor, que em sua percepção insere características culturais, ambientais, de sexo, idade, entre outras. Alguns fatores, como problemas psicológicos, podem aumentar sua intensidade, tanto que 20% dos pacientes, que procuram tratamento médico, não apresentam nenhuma doença e suas dores são psicossomáticas, ligadas à ansiedade, à tensão ou ao excesso de trabalho. Mas, também, existe o lado inverso: 90% dos pacientes portadores de dores crônicas acabam desenvolvendo algum problema psíquico”, informa 
 
Terapia da dor
A dor tem sido objeto de estudos científicos no mundo todo, tanto que ganhou até uma data específica: 17 de outubro, Dia Mundial de Combate à Dor. De acordo com o neurocirurgião Claudio Corrêa, a terapia da dor chegou ao Brasil há mais de 25 anos. “O conceito de ser a parceira inseparável da doença deixou de ser aceito e hoje há controle para os seus mais diversos tipos, desde a enxaqueca, que atinge 1/5 da população mundial, até as problemáticas dores crônicas que podem ser originárias de doenças mais sérias, como o câncer”, diz. 
 
Estima-se que no Brasil cerca de 30% dos pacientes portadores de dores crônicas não realizam o seu tratamento de forma completa e eficaz, especialmente no que diz respeito à ingestão de medicamentos. Claudio Corrêa acredita que esse comportamento é o principal fator para a piora do quadro doloroso e o comprometimento da qualidade de vida. 
 
Ruim com ela, pior sem ela
O neurocirurgião ressalta que os portadores de analgesia congênita precisam de atenção constante, pois não apenas as mais simples atividades cotidianas podem representar riscos, como também outras doenças em que a dor funciona como um alerta para que se possa procurar ajuda. “Um exemplo seria uma apendicite que precisa ser rapidamente operada e cujo sintoma se dá basicamente pela dor. Ao não senti-la, o quadro tende a evoluir para supuração do apêndice e morte do indivíduo, sem que ele tenha tido a consciência do problema”, alerta.
 
De acordo com o médico, os maiores riscos da doença se dão na infância, pela dificuldade natural de a criança identificar os perigos e até mesmo querer desafiá-los, muitas vezes querendo se exibir para amiguinhos ou familiares. Como a analgesia não tem cura, é importante que o indivíduo tenha acompanhamento multidisciplinar liderado pela psicoterapia, para melhor entender o problema, trabalhar situações de perigo e saber como melhor tratar seus ferimentos, orienta Claudio Corrêa, que completa: “embora viver com dor seja muito ruim, o extremo de viver sem ela é muito pior”.