Santos

E agora?

10/04/2015
Foram dias de tensão, insegurança, medo, desconfiança, sentimentos que perduram na população mesmo com o controle do incêndio nos tanques de combustíveis da Ultracargo, na Alemoa, que ganhou proporções inimagináveis até pelos órgãos que têm por responsabilidade avaliar os perigos e prevenir acidentes em instalações de altíssimo risco. A conta também é incalculável: prejuízos materiais de diversas ordens, mobilização gigantesca de recursos humanos e equipamentos, danos ambientais e à saúde das pessoas.

O trabalho dos bombeiros e de outros brigadistas envolvidos no combate ao fogo foi incansável, mas, pelo menos para quem acompanhava os esforços com relativa distância, a cena era empírica, baseada em erros e tentativas. A coisa foi crescendo, crescendo, e demonstrando que ninguém estava preparado para um acidente desta magnitude. Tampouco havia recursos materiais à altura deste tipo de combate, tanto que foi preciso importar produto, embora a região abrigue o maior porto da América Latina, o polo petroquímico de Cubatão e uma refinaria da Petrobras.

O que aconteceu? O comandante do Corpo de Bombeiros no Estado de São Paulo, Marco Aurélio Alves Pinto, informou que o incêndio ganhou proporções gigantescas porque a primeira explosão destruiu o sistema de proteção do tanque, o que obrigou a corporação a pensar e testar novas estratégias. Admitiu ainda que este foi o maior desafio já enfrentado pelos bombeiros, o trabalho mais longo e perigoso já visto no Brasil. “Os bombeiros de São Paulo estão preparados, com informações e equipamentos, mas este incêndio teve característica diferente, o cenário vai mudando o todo tempo”.

 
Quem fiscaliza
O acidente na Alemoa traz a sensação de estarmos cercados de bombas-relógios, sem um controle rígido da segurança das instalações que guardam produtos inflamáveis e explosivos. No terminal da Ultracargo, um tanque fica muito próximo ao outro, o que, nas palavras do comandante dos Bombeiros, dificultou a situação. Segundo Marco Aurélio Alves Pinto, o alvará dos bombeiros é concedido com base em normas internacionais, mas no presente caso a liberação dependeu da legislação vigente na época em que os tanques foram construídos. 

A Prefeitura de Santos, que embargou as instalações da Ultracargo na quinta-feira (9), disse que a empresa é obrigada a apresentar licença ambiental da Cetesb e o auto de vistoria do Corpo de Bombeiros, AVCB. “Essas duas exigências foram cumpridas pela Ultracargo”, afirma. Na quarta-feira (8), foi publicado decreto do prefeito Paulo Alexandre Barbosa instituindo uma comissão que vai apoiar as investigações que já estão em andamento pelo Ministério Público. O grupo também irá propor medidas para ampliar a fiscalização e o controle dessas atividades. 

De acordo com o professor e engenheiro civil Telmo Brentano, uma das maiores autoridades do país em incêndio, as legislações e normas são atualizadas periodicamente, o que acontece com regularidade no Estado de São Paulo e não em outros. “Há um corpo técnico em São Paulo que se dedica somente nesta tarefa, o que é uma exceção. Uma obra é aprovada e liberada de acordo com a legislação da época. Futuramente, nas próximas legislações, pode haver restrições maiores de acordo com o risco. As empresas que trabalham com combustíveis devem ter técnicos especializados em proteção contra incêndios para avaliarem sempre as condições de segurança ao longo do tempo. Isto é feito? Certamente não, porque envolveria novas obras e custos para aumentar a segurança, e ninguém quer gastar com segurança contra incêndio. É da nossa cultura sermos reativos e não proativos”.
 
Riscos à vida
A Prefeitura informou que, “de acordo com as avaliações feitas pela Cetesb e também pelo Exército, não há comprometimento da qualidade do ar”.  No entanto, ressalta que “houve danos ambientais cujos impactos estão sendo apurados para eventuais aplicações de sanções”.

Não é o que pensa o coordenador do Laboratório de Poluição Atmosférica da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Saldiva, que esteve em Santos participando de reunião na Associação dos Médicos. Em sua opinião, um incêndio destas proporções agrava a qualidade do ar na região e pode comprometer o estado de saúde da população, especialmente de pessoas mais frágeis, que já tenham doenças respiratórias ou cardiovasculares, diabéticos, idosos e crianças pequenas.

 
Que lição tirar?
Nossa região tem o maior porto da América Latina, a Refinaria da Petrobras e o polo petroquímico de Cubatão, ainda assim a impressão que fica é que as autoridades andaram durante dias em círculos. Parece que tudo o que havia sido pensado até então compreendia acidentes de média proporção, desconsiderando a periculosidade das instalações aqui existentes.

De acordo com Telmo Brentano, as baixadas Fluminense e Santista apresentam características especiais de instalações e serviços de grandes portes com combustíveis, por isso deveriam ter uma estrutura de segurança já funcionando e monitorando todas essas atividades. 

“O brasileiro é reativo, e toda grande tragédia gera nova legislação e exigências específicas, como já temos muitos exemplos ultimamente. Este incêndio será um divisor de água para a questão, como foi a queima de um depósito de açúcar no Porto de Santos no ano passado. De passo em passo seguiremos em frente, sempre correndo atrás. A grande questão de tudo é a sensibilidade do homem, que está no bolso. O fator humano é o grande causador das tragédias de toda ordem”, finalizou. 

Crédito de foto: William Schepis / Instituto EcoFaxina

Quem paga a conta?
É incalculável o prejuízo causado pelo acidente. Além dos custos com o imenso suporte logístico mobilizado para o combate ao fogo, os prejuízos se espalham pelas mais diversas áreas, dos danos à natureza e à vida animal ao caminhoneiro impedido de chegar ao porto, alcançando até o pescador artesanal, afetado pela contaminação das águas que causou a morte de milhares de peixes. O Porto de Santos, por exemplo, deixou de exportar 400 mil toneladas de soja e farelo de soja devido a restrições à entrada de caminhões pela margem direita. E este é o momento do pico de escoamento de uma safra recorde de soja do Brasil.