Comportamento

Seja o ator principal!

28/11/2015
A reclamação é recorrente: as circunstâncias fizeram com que minha vida tomasse um rumo diferente do que eu sempre sonhei. Este sentimento de conformismo contamina praticamente todas as relações da pessoa: no trabalho, na família, com os amigos, o par amoroso…

Para ajudar as pessoas a encararem sua realidade de maneira menos pessimista e alertar que, sim, é possível dar uma guinada na sua vida e conquistar a felicidade, especialistas em comportamento humano estão recorrendo a um conceito antes restrito a treinamentos empresariais: o protagonismo.

Em síntese, trata-se de mostrar que cada um deve ser o ator principal da própria vida, e não deve resignar-se e ser um mero coadjuvante ou figurante. Simples? Nem tanto! 

“O protagonista é aquele que assume para si as rédeas da própria trajetória. Assuma também a responsabilidade pelas decisões que toma. Sabe que suas escolhas não só definirão a sua vida como também impactarão muita gente. O protagonista é um corajoso”, diz o professor de filosofia Clóvis Barros Filho, que esta semana proferiu uma palestra na abertura do Congresso Brasileiro de Treinamento e Desenvolvimento (CBTD), realizado no Mendes Convention Center.  

Formado em Direito pela USP, mestre pela Universidade de Sorbonne e doutor livre-docente da Escola de Comunicação e Artes (ECA-USP),  Barros Filho é especialista em temas como Ética, Motivação e Confiança.

Ele explica que a sociedade atual em que a vida é “terceirizada”. “Decidem tudo em nosso nome e prometem uma vida melhor. Sua maneira de falar, de se vestir, de caminhar, de trabalhar, o corte de cabelo… das coisas mais fúteis às mais relevantes. Você não decide nada, a sua vida fica mais leve”, explica. “O protagonismo é o contrário disso. Ele chama para si a responsabilidade, sabe que ninguém o entende melhor do que ele mesmo”.
 
Angústia
Barros Filho argumenta que, por assumir o risco de assumir as consequências de suas escolhas, o protagonista é um angustiado. “São tantos as variáveis, os critérios, os valores e as possibilidades que raramente terá certeza absoluta sobre qual o melhor caminho”. E, quanto mais esclarecido, mais aflito. “Mesmo depois de decidir, vive a angústia de não saber se outro caminho teria sido melhor”, completa.

Para ajudar a fazer estas escolhas, seja elas quais sejam, Barros Filho recorre ao pensamentos de filósofos emblemáticos, como o grego Aristóteles, o francês Jean-Jacques Rousseau e Jesus Cristo (!).
 
Responsabilidade
Exercer o livre-arbítrio não significa simplesmente fazer o que bem entende. “A chance de ser um protagonista sem noção é muito grande, de pisar na bola, é imensa. Não é só uma questão de bater no peito, de atrevimento. É preciso ter elementos para poder decidir, competência para refletir”, explica. 
 
Fidelidade
Segundo ele, uma das condições é a fidelidade. Mas não em relação ao outro, mas sempre em relação a si mesmo. “É um principio de coerência entre o que vamos fazer agora e o que dissemos no passado. É oferecer confiança, uma certeza sobre o seu comportamento futuro”, diz. Barros Filho ressalta que a pessoa até tem a opção de ser imprevisível, mas terá que pagar pelas consequências. “Se você, a cada dia, resolver ser outro, que as ideias são outras, as relações serão problemáticas, conflituosas”.

A sedução do prazer – O especialista alerta que são muitas as tentações para que as convicções iniciais seja enterradas. A tendência é que a pessoa procure sempre o que proporcione as melhores sensações ao corpo. “Liga ou desliga o ar condicionado, tira ou põe casaco, começa a comer, para de comer, bebe, deixa de beber. O prazer desafia a pessoa a se desmentir em nome de um ganho, uma meta, um resultado, blasfemando contra aquilo que propuseram antes. Mas, se fizerem isso, despertarão uma dúvida, uma incerteza, uma desconfiança, que comprometerá o futuro das relações”.
 
Excelência
Barros Filho recorre ao filósoso Aristóteles: “Se você quer assumir as rédeas de sua vida, comece buscando a excelência de si mesmo”, cita. É buscar ser o melhor possível, como profissional, pai, amigo, marido… “É buscar ir o mais longe possível no que é a sua praia, a sua competência, como Neymar foi, jogando bola; como César Cielo foi, nadando; como o maestro João Carlos Martins foi, regendo e compondo”, argumenta.

E qual é a sua praia? “É aquele lugar onde a vida faz sentido, onde você se sente bem. Não tem por que patrocinar para si mesmo uma tristeza crônica”. Mas ele deixa claro que esse não é um caminho fácil, pois sacrifícios devem ser feitos.
Generosidade

Para o professor, a busca da própria felicidade não pode ser o único objetivo. “Dedique sua vida à alegria do outro. Um conjunto de decisões sobre a própria vida que tem como referência inalienável proporcionar às outras pessoas o máximo de felicidade possível. É o conceito de  protagonismo proposto por Jesus”, declara. 

Mas a ideia não se baseia em princípios religiosos, como a princípio parece ser. “O professor trabalha pelo aluno, o médico pelo paciente, para que cada um viva melhor. É uma preocupação visceral, permanente, quase obsessiva, com uma vida mais digna para aqueles que confiam em você. O sentido está no outro”, argumenta.

“Num mundo em que você é levado a acreditar que o sucesso da sua vida tem a ver com coisas que você pode comprar, é até subversivo alguém propor que o protagonismo que vale a pena tem como referência a felicidade daquele que se deixa impactar pelas suas decisões”, completa.
 
Liberdade
Diferente de outros seres vivos, o ser humano tem a capacidade de agir em sentido contrário ao que indica a sua natureza.  “Uma pera não decide cair do pé. O gato é escravo do seu instinto. Por isso gato não inventa moda, se botar um prato de alpiste ele morre de fome. O ser humano é diferente: ele inventa, cria, improvisa, inova, empreende. Podemos ir na contra-mão de nossos desejos, em nome de convicções”, argumenta Barros Filho, completando com uma frase de Rousseu: “A vontade do homem fala ainda, quando a sua natureza se cala”.
 
Convivência
Barros Filho esclarece que, apesar de ser um conceito ligado à individualidade, o protagonismo também é coletivo. “Somos livres para decidir como queremos conviver. Quem faz a sociedade faz somos nós, livres para revolucioná-la, transformá-la, para fazê-la do jeito que achamos mais justo, mais adequado a todos, mais solidário”, declara.

Assim, a situação de uma sociedade é reflexo direto do envolvimento de seus integrantes. “O comportamento resignado leva você a acreditar que todas as mazelas são creditadas a pessoas que estão longe de você. E você simplesmente dá de ombros, lamenta, como se não tivesse nada com isso. É uma postura covarde. É mais do que tempo para levantarmos e assumirmos as rédeas da sociedade. Chega de lamentar a sorte. É mais do que tempo de perceber que a sociedade resulta de cada decisão tomada por cada um de nós”, conclui. 

Confira a entrevista exclusiva com Clóvis de Barros Filho: