Porto

Vizinho gigante e problemático

27/02/2016
O drama vivido hoje pelos moradores da Ponta da Praia, obrigados a conviver com a poluição do ar e o mau cheiro permanentes produzidos pela movimentação de grãos e farelos no corredor de exportação do Porto de Santos, tem características de ‘tragédia anunciada’. Vamos aos fatos:
 
Quando os terminais de grãos ali se instalaram, a população já existia, o que não existia era a necessidade de licença ambiental para tal operação. Tanto que os contratos de concessão não previam clausula ambiental. Até recentemente, a ação da Cetesb era apenas de caráter corretivo, cobrando medidas a partir de irregularidades constatadas.  
 
Para agravar, nos últimos tempos a safra de grãos, principalmente soja, vem crescendo cerca de 6% ao ano, sem contrapartida dos terminais portuários em tecnologia, equipamentos e procedimentos para acompanhar o aumento do volume exportado, visando a não prejudicar o meio ambiente e a saúde da população. E tem ainda o conflito entre o governo federal, que detém o poder concedente do porto, e o município, que tem o direito de legislar sobre seu território. Por enquanto, o primeiro está ganhando.
 
Neste imbróglio que vem se arrastando alguns anos quem sofre são os milhares de moradores da Ponta da Praia e até de bairros vizinhos, como  Aparecida, Macuco e Estuário, que respiram um ar impregnado de micropartículas em suspensão e sentem o cheiro de material em decomposição. E, como miséria pouca é bobagem, tem o trânsito carregado, principalmente em época de escoamento da safra. Além de obstruir as ruas, os caminhões deixam cair grãos, que apodrecem, piorando o mau cheiro, e servem de alimento à população de ratos e pombos da cidade. 
 
O problema motivou duas reuniões na semana que acabou: a primeira, na terça-feira (23), no Clube Estrela, reuniu moradores, o Grupo Elos e representantes do terminal portuário ADM. A empresa apresentou seu plano de adequação às exigências feitas pela Cetesb para renovar a concessão, em janeiro de 2015. No dia seguinte, audiência pública na Câmara de Santos, convocada pelo vereador Sadao Nagai, reunindo políticos, representantes do governo federal, Prefeitura, Cetesb, Codesp, Ministério Público, terminais portuários e, mais uma vez, moradores.

Novo cenário

Apesar das inúmeras queixas acumuladas, a presença dos moradores nos dois encontros foi pequena. Fato lamentado até pelos que fizeram questão de comparecer e se atualizar de novas ações para mitigar os impactos da movimentação de grãos na Ponta da Praia.
 
A Cetesb, por exemplo, vem autuando alguns terminais por irregularidades nas operações com grãos e impondo várias exigências na renovação das licenças. São compromissos de utilização de tecnologia de ponta e novos procedimentos, envolvendo desde a etapa do recebimento dos grãos à movimentação do produto no interior do terminal, passando pela aquisição de novos equipamentos e o processo de carregamento de porões dos navios.
 
O promotor do Meio Ambiente, Daury de Paula Júnior, ressaltou, entretanto, que será difícil um regramento adequado e integrado quando há áreas comuns e privativas. “A licença será muito difícil de ser gerida se este aspecto não for resolvido”. Como grande novidade, destacou o fato que agora a Cetesb também está atuando preventivamente.

Queda de braço
Ninguém soube informar como está a questão da liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal à Secretaria Especial dos Portos (SEP) em janeiro de 2014, suspendendo a lei municipal que proíbe a movimentação de grãos nos terminais da Ponta da Praia. O texto alterou a Lei de Uso e Ocupação do Solo da Cidade. Foi um dos capítulos da disputa entre a Prefeitura e o Governo Federal sobre a operação de grãos na Ponta da Praia. 
 
A polêmica começou quando a SEP apresentou seus planos para licitar 11 áreas no complexo marítimo. O projeto prevê unificar armazéns que já operam grãos na região da Ponta da Praia e arrendá-los como uma única instalação, que continuaria movimentando essa carga. Na época, a Prefeitura indicou outras áreas onde essas cargas poderiam ser movimentadas, mas a SEP não aceitou nenhuma delas. 
 
Rosano Reolon, que representou na audiência o ministro dos Portos, Helder Barbalho, foi bastante econômico nas palavras e, apesar de ostentar a condição de diretor de Outorgas Portuárias, assumiu conhecer pouco do assunto que estava em debate. Ele apenas insistiu na importância da convivência pacifica porto-cidade e depois se retirou, alegando compromisso em Brasília.

E a poluição do açúcar?

Fábio Mello Fontes, 77 anos, um dos moradores presentes, alertou para um perigo ignorado nos debates: o embarque de açúcar, que, segundo ele, é altamente prejudicial, principalmente para as crianças. “É um pó fino, seco, vai longe e fica impregnado nos pulmões”.
 
Prático do Porto de SVantos há 44 anos, Fábio Mello foi talvez a primeira pessoa na cidade a falar sobre o problema da poluição causado pelo embarque de grãos na Ponta da Praia. “Já fui humilhado por comandantes de navios que perguntavam que povo é este de baixa cidadania que vive nesta cidade para deixar uma coisa desta acontecer”.