Tecnologia

Mais que mil palavras

13/08/2016
Tecnologia introduzida no Brasil há 25 anos, a telefonia celular evoluiu de forma inimaginável desde a época em que era apenas um telefone móvel que permitia fazer e atender chamadas de voz. Hoje, o dispositivo ganhou status de faz-tudo: leve, fácil de manipular e conectado à internet, permite conversar, trocar mensagens, jogar, ouvir música, fazer pesquisas, contratar serviços, medir espaços, localizar-se no globo terrestre, conhecer pessoas… ufa! Não à toa, foi batizado de “esperto”. Mas, sem dúvida, a ferramenta mais utilizada é sua capacidade de fotografar, a ponto de desbancar as tradicionais câmeras, mesmo as digitais. As máquinas que demandam filme viraram peças de museu ou artigo de excêntrico.
 
Fotografar e compartilhar praticamente em tempo real a imagem captada para um número incontável de pessoas, através das redes sociais, é um comportamento que se tornou comum e uma necessidade até natural do ser humano, na avaliação de Christian Godoi, professor de Teoria da Comunicação da Unimonte. “Somos diferentes em particularidades, mas nas essências somos semelhantes. Antes, as pessoas reproduziam suas vidas na fala, contavam o que faziam, mostravam fotos. O celular substituiu a fala. Hoje se articula cada momento vivido em imagens”.
 
Christian lembra que esta é uma forma de o indivíduo se enxergar fazendo o que gosta. “Nós vivemos em sociedade e ninguém se vê diretamente, só se vê como reprodução”. O compartilhamento das imagens em redes sociais é bem mais complexo, em sua avaliação, pois reproduz o que a pessoa vive em sua particularidade.

Ferramenta para o bem ou para o mal
A primeira geração de celulares inteligentes, com câmeras e possibilidade de compartilhamento, se intensificou no Brasil na segunda metade da década passada. Godoi pondera que tudo ainda é muito novo, está em processo, na fase de observar comportamentos, mas considera como principal mudança positiva o surgimento de um outro espaço público, pois as redes sociais no mobile permitem ações políticas imediatas. “Fotos e vídeos com críticas e cobranças de ações de organismos públicos, e posteriores comentários fundados no debate, possibilitaram o surgimento de movimentos calcados nessas práticas de postagens”, comenta.
 
Christian Godoi não acredita que o fato de o celular ter se tornado objeto de cobiça e desejo tenha criado novas exclusões sociais ou desigualdades. “As existentes se reforçam. Não ter o tênis ou o relógio da moda se deslocou também para o mobile, provocando as ações de retaliação a essas desigualdades e exclusões. Roubo de equipamentos, ações preconceituosas e xingamentos intempestivos são resultado desses sentimentos”, entende.

Imagem com sotaque praiano
Quem nunca sentiu o desejo de ter uma máquina fotográfica à mão diante de uma cena inusitada, um personagem diferente, um detalhe até então despercebido? A popularização do celular e de seu uso para captar a imagem e eternizar o momento tornou-se a solução mais prática e imediata para atender ao olhar sensível de fotógrafos profissionais, amadores ou apenas curiosos.
 
A nova tendência no comportamento social inspirou um grupo de fotógrafos de Santos a criar o movimento TUmobgrafia, que visa aproximar os praticantes desta nova modalidade de fotografar, despertando e educando o olhar para o novo.  
 
“Hoje há câmeras cada vez mais potentes, com várias lentes, recursos para tratar as imagens, aplicativos. Mesmo com as limitações, um celular pode chegar bem perto de uma câmera, pois o mais importante é o olhar da pessoa”, comenta o fotógrafo Luiz Fernando Menezes, que criou o movimento com o também fotógrafo André Saleeby, a designer Mônica Sobral e o jornalista Maurício Businari.
 
Mobgrafia é o termo criado para designar a fotografia feita exclusivamente com aparelho celular. Os primeiros grupos de praticantes surgiram em 2009, na California (EUA) e o movimento vem crescendo em diversos países. Em Santos, a arte ganhou o prefixo “tu”, em alusão ao pronome na segunda pessoa do singular característico do modo de falar do santista.
 
O movimento está no Facebook, Youtube, Instagram, com vídeos e dicas para profissionais, amadores e curiosos que utilizam aparelhos móveis, como smartphones e tablets, para captar e editar imagens. Além das redes sociais, o TUmobgrafia realiza projeto semanal para explorar um novo olhar nos bairros da cidade, com atenção aos seus personagens e elementos urbanos. Todo dia o grupo escolhe uma foto para postagem, usando como critérios a luz, o enquadramento, o ângulo, tratamento final, originalidade e criatividade.  No primeiro mês o TUmobgrafia registrou 1.270 seguidores.

A necessidade de aparecer
Vaidade, exibicionismo, necessidade de se tornar visível? Por que tanta gente gosta de fazer selfie, em qualquer acontecimento e onde estiver? E não basta tirar foto de si próprio, tem que compartilhar para o maior número de pessoas, ainda que a imagem seja de gosto duvidoso ou interesse restrito. Uma preocupação que, muitas vezes, leva a pessoa a conhecer o lugar para onde viajou ou o show ao qual compareceu somente mais tarde, pela tela do celular.
 
Ser protagonista da história através da imagem seria uma das explicações, segundo Christian Godoi. A necessidade de autoafirmação, de mostrar o que está fazendo, também. “Os selfies são um ponto interessante, pois nascem como afirmação de uma relação de proximidade (no tempo e no espaço), passam a reproduzir categorias de status, até chegar no absurdo de confirmar  o “estar presente” em qualquer fato. Recentemente vimos selfies em cemitérios, em incêndios e com pessoas à beira da morte. Isso é a reprodução da estupidez”.