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Uma reforma de deixar os cabelos brancos

18/03/2017
Se o governo Temer tinha alguma dúvida, a partir de 15 de março (uma quarta-feira histórica), é melhor colocar as barbas de molho. Milhões de cidadãos tomaram as ruas em vários cantos do país para protestar contra a sua proposta de reforma da Previdência Social, que pretende tirar direitos e prolongar (de forma quase infinita) a obtenção da merecida aposentadoria, após longos anos de trabalho. Desta vez, Michel Temer conseguiu algo que nos últimos tempos parecia impossível: unir a população, polarizada politicamente, em torno de uma causa comum.
 
E não é difícil entender a razão. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287 atinge todos – trabalhadores do setor privado e do público e até quem já se aposentou, mas teme pelo futuro de seus filhos e netos. Pelas regras propostas, para obter a aposentadoria integral um trabalhador precisaria contribuir durante 49 anos – uma façanha, se considerados fatores como rotatividade, informalidade no mercado de trabalho brasileiro e baixa renda da maioria, que prejudica a qualidade de vida. 
 
O governo Temer pinta a Previdência Social como a vilã da atual crise econômica e joga a conta nas costas dos trabalhadores. Alega que, se não mudar, o sistema quebra, coloca a medida como fundamental para o ajuste fiscal do país e “responsabiliza” o envelhecimento da população. A sonegação passa ao largo da conversa: apenas 500 empresas devem ao INSS a astronômica soma de R$ R$ 392 bilhões. O maior devedor é a União, que nada recolhe.
 
Para o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos (Dieese), a reforma da Previdência será “o maior desmonte social da história”. No início do ano, o instituto divulgou nota com restrições severas ao projeto do governo, enfatizando que a premissa básica é dificultar ou impedir o acesso a benefícios – e reduzir o valor para quem conseguir recebê-los. Tornaria a aposentadoria integral uma “utopia” e, em uma análise mais geral, “favorece o aumento da vulnerabilidade social, da pobreza e das desigualdades no país”. 
 
Além disso, obrigaria o trabalhador a contratar um plano de previdência privada.

Saco de Maldades 

Especialista em Previdência Social, o advogado tributário Sérgio Pardal é totalmente contra à PEC 287 e a define como “um enorme saco de maldades”. Para ele, uma reforma da Previdência efetiva tem que impedir isenções, inclusive de entidades filantrópicas; proibir  que no futuro ela seja “re-reformada”; e cobrar as empresas devedoras ao sistema. 
 
Ele explica que a seguridade social embute Previdência, saúde e assistência social. “Saúde e assistência são obrigações do estado, aí que estão os impostos do povo em geral e é muito justo. Imagine um sujeito com 65 anos que não tem como sobreviver, não pode contribuir, não ter direito a uma porcaria de um salário mínimo? Já a Previdência é contributiva. Só tem benefício quem pagou, quem não pagou, não tem”.
 
E se falta dinheiro, como alegam, a culpa não é da sociedade. “O patrão paga 20%, o trabalhador paga 8%, 9% ou 11%. Há ainda PIS, Cofins e CCSL, que também ajudam a fazer o caixa da Seguridade Social. O maior devedor da Previdência é a União, que desvia o dinheiro através da DRU (Desvinculação das Receitas Orçamentárias)”, aponta o advogado. 
 
De acordo com Pardal, a PEC da Previdência tem três pontos básicos: ela é mentirosa nas suas contas, mentirosa em futuros projetos e não admite que duas reformas já aconteceram, uma em 1998 e outra em 2003. “Em 1985, o que se discutia era o retorno da credibilidade do sistema, porque a ditadura militar tinha avacalhado. Em 1988, veio a Constituição. Dez anos depois, veio a Emenda 20, que mudou muito: em vez de ter como base os três últimos anos, passou a considerar a média de 80% de sua vida contributiva”, explica.
 
Segundo ele, o governo Temer tenta apresentar como novidade uma reforma que já aconteceu, a do servidor público, em 2003. “Quem entrou depois se aposenta pela mesma média do INSS, com o mesmo limite do INSS e ainda o limite de idade: homens, 35 de contribuição e 60 anos de idade; mulheres, 30 de contribuição e 55 de idade. Isso já está lá. Dizer que vão equiparar a aposentadoria do setor público com o do privado agora é mentira! Isso já aconteceu!”, enfatiza Pardal.
 
Sistema quebrado é farsa, diz especialista
O tão falado “déficit da Previdência Social” é uma farsa. A opinião é da economista Denise Gentil, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, autora de doutorado sobre o assunto.
 
Segundo ela, não se pode olhar isoladamente para as contas previdenciárias, mas sim analisar o orçamento de toda a Seguridade Social, que engloba, além das aposentadorias e pensões, as áreas da saúde e da assistência social, conforme estabelecido na Constituição de 1988.
 
Denise Gentil explica que o “rombo” alegado aparece porque o governo federal desvia, por intermédio da DRU (Desvinculação de Receitas Orçamentárias), recursos que deveriam ser destinados à Seguridade (PIS/Pasep, Cofins e CSLL) para outras finalidades, como a rolagem da dívida pública. 
 
Segundo ela, a Seguridade Social é superavitária: em 2015, o saldo positivo foi de R$ 20 bilhões.
 
“Isso sem falar das empresas que descontam dos trabalhadores e não fazem a contribuição. A a União não cobra das empresas sonegadoras”, completa.