Santos

Drama a céu aberto

24/06/2017

Apenas quem tem coração de pedra é incapaz de se sensibilizar com a situação de pessoas que moram pelas ruas – problema que ganha contornos ainda mais dramáticos durante o inverno. E chama a atenção o aumento do número de moradores vivendo ao relento.

A secretária de Assistência Social da Prefeitura de Santos, Rosana Russo, informa que, em 2016, foram abordadas 684 pessoas em situação de rua. "Não digo que hoje há essa quantidade de pessoas nas ruas de Santos, porque há uma circulação muito grande, as cidades são muito próximas. Mas é um número preocupante", afirma.

Segundo ela, a situação piora porque volta e meia ocorrem "movimentações higienistas", isto é, outros municípios recolhem os moradores de rua e são "desovados" em Santos. Segundo censo realizado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), em 2014, 72% das pessoas que vivem ao relento em Santos vieram de outras cidades. 
 

Por que tanta gente?
Rosana Russo acredita que o grande número de sem-teto está relacionado ao empobrecimento da população brasileira e ao aumento do desemprego. E o problema piora ainda mais devido ao consumo de álcool e outras drogas.  Segundo censo realizado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), 84% das pessoas que moram nas ruas santistas são dependentes químicos. E, neste contexto, é crescente o uso do devastador crack.

A secretária pondera que o cenário é extremamente complexo e impossível de ser resolvido com medidas atabalhoadas como a tentada em São Paulo pelo prefeito João Dória. "Temos uma posição absolutamente contrária a uma solução mágica e higienista. Além de ilegal é imoral, não condiz com uma política pública nem com a história de nossa cidade. Nossa ação é pautada na legalidade e na dignidade", argumenta.

 

Trabalho contínuo
Russo alerta que não existe solução imediata: "Há pessoas que estamos abordando há três anos. Restabelecer os vínculos familiares é muito difícil. Muitas vezes, a pessoa dá o número de telefone e, quando a gente liga, batem o telefone na nossa cara. Em outros momentos, somos demandados por pessoas de todas as classes sociais. Nenhum de nós está livre de ter alguém de sua família nesta situação. Ninguém tem certeza se vai conseguir manter o seu emprego ou sua saúde mental", alerta. 

Segundo ela, é necessário agir com constância e continuidade. "As vezes a pessoa está trabalhando e tem uma recaída, então temos que recomeçar tudo de novo. Nossa sociedade produz mais mazelas do que a gente é capaz de reverter". 
 

Ajuda efetiva
Apesar de terem as melhores das intenções, muitos santistas não contribuem para melhorar a situação da população de rua. Ao contrário. Dar esmola, distribuir comida, entregar um cobertor ou doar roupas até podem fazer o cidadão se sentir melhor, mas acaba dificultando a abordagem mais adequada, realizada por profissionais das áreas de assistência social e saúde. 

Segundo a secretária da Ação Social, Rosana Russo, a maneira mais efetiva de ajudar é dar apoio às ações da Prefeitura.  "Distribuir pratos de sopa nas ruas de madrugada, por maior que seja a vontade de ajudar, não é uma medida adequada", alerta. "Convidamos as pessoas que querem ajudar e oferecemos a possibilidade se fazer aquela ação dentro do serviço: doar roupas, dar comida ou alguma ação socioeducativa. Isso tem ajudado bastante", explica. 

Com relação às ações individuais, ela orienta o munícipe a ligar para 0800-177766. Os técnicos da secretaria farão a abordagem do morador de rua. "O cidadão pode até acompanhar a abordagem. Muitas pessoas criam vínculos com quem está na rua. A gente atende o dia inteiro, sete dias por semana". 

A secretária destaca a importância da participação da sociedade. "É um trabalho que não pode ser apenas do poder público. O brasileiro tem o pensamento mágico de que é o estado que lhe concede tudo, que tem que resolver tudo, e ele não tem uma participação. Cada pessoa deve refletir que tipo de sociedade quer para si e para seus filhos".

Segundo ela, o município tem estrutura física e material humano suficientes para atender todas as demandas. "Em apenas num serviço, o Centro Pop, tivemos 4712 pessoas acolhidas no ano passado", exemplifica.

 

Aumento no consumo de crack é alarmante

Mesmo não tendo uma cracolândia da dimensão da existente na capital paulista, Santos também possui pontos de concentração de usuários de crack. O mais emblemático é o túnel por onde passa o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), no José Menino, próximo à Gruta de Nossa Senhora de Lourdes. 

Rosana Russo alerta que a questão é extremamente complexa, pois não envolve apenas moradores de rua. "Há quem consome crack e não mora na rua". Ele explica que está sendo realizado um trabalho intenso, não só com aquelas pessoas, mas também os moradores das proximidades. 

“Buscamos detectar o porquê da permanência daquelas pessoas naquele local. Sempre há um fator de fixação: o usuário faz uma espécie de troca com um comerciante, ele deixa a pessoa ficar à noite se ‘tomar conta’ do local, ou oferta de comida, ou esmola. Então, orientamos a população, para que não crie condições favoráveis a este círculo vicioso”, esclarece a secretária.