Comportamento

Quanto vale uma promessa?

17/03/2018

Em pelo menos 11 oportunidades, todas devidamente registradas, o prefeito de São Paulo, João Dória (PSDB), prometeu não interromper seu mandato para disputar outra eleição. Até assinou um documento. “Serei prefeito por quatro anos”. “Fui eleito para prefeitar”. “Não tenho perspectiva de candidatura”. “Fico na prefeitura”.

O tempo passou e eis que, nesta semana, Dória anuncia que vai, sim, largar a Prefeitura da capital paulista, quebrando o compromisso assumido.

O descumprimento de promessas não é algo exclusivo dos políticos. Ao contrário: está presente na maioria das relações. O marido que trai a esposa, o fornecedor que não entrega o produto no prazo, o filho que não arruma a própria cama, o amigo que não marca para tomar um café e colocar a conversa em dia…

Elas podem variar muito, de acordo com as circunstâncias, mas sempre revelam o modo com a pessoa que promete se relaciona com os outros — na maior parte das vezes, por egocentrismo e egoísmo.  A pessoa que promete e não cumpre busca sempre o seu conforto individual, não se importa com as consequências do não-cumprimento para os outros.

 

Manutenção dos compromissos

Ao longo da história, diversos pensadores fizeram reflexões sobre o assunto, destacando a importância da manutenção de compromissos. As promessas fazem parte da história da humanidade, aliás, umas das razões da evolução humana e sua consequente distinção de outras espécies. “O homem se distingue como um animal que pode fazer promessas”, pontua o filósofo alemão Friedrich Nietzsch, no livro ‘Genealogia da moral’. 

As promessas existem, e acredita-se nelas, porque a regra é elas serem cumpridas. “A razão de sermos obrigados a cumprir as nossas promessas é que seria impossível um mundo no qual todos fizessem promessas com a intenção de as quebrar. A universalizabilidade é a prova de fogo”, diz o filósofo Immanuel Kant, em seu livro ‘Fundamentação da Metafísica dos Costumes’. 

Mas a manutenção destes compromissos, mesmo que meramente verbais, não se faz necessária apenas por conta de se preservar a “honra”. A filósofa alemã Hannah Arendt, em sua obra “A condição humana” explica que a promessa tem uma “força estabilizadora capaz de atenuar a imprevisibilidade das consequências da ação humana”. Em outras palavras, a pessoa só vai programar o que vai fazer a partir do que o outro anunciou como agirá.

 

Quebra de promessa


Alguns pensadores admitem algumas situações em que é necessário não cumprir o prometido e até mesmo mentir. Kant dá o exemplo hipotético de um homem que jurou dizer a verdade e, certo dia, um desconhecido procura se um amigo dele está escondido na sua casa. Se dissesse a verdade, o amigo seria assassinado. Se mentisse, preservaria a vida do amigo. 

Já Nietzche lembra que não é possível prometer o que se sabe não ser possível cumprir. “Pode-se prometer atos, mas não sentimentos; pois estes são involuntários. Quem promete a alguém amá-lo sempre, ou sempre odiá-lo ou ser-lhe sempre fiel, promete algo que não está em seu poder”, escreve Friedrich Nietzsch, em ‘100 aforismos sobre o amor e a morte’.

O pensador italiano Niccoló Maquiavel, na sua célebre obra ‘O Príncipe’, sustenta que em algumas ocasiões quebrar o compromisso é essencial. “Não pode, nem deve, um homem prudente guardar a palavra dada, quando o seu cumprimento se volte contra ele e quando já não existem as causas que o fizeram prometer”.

 

Descumprimento e punição
Professor de Filosofia, Renato Janine Ribeiro destaca que, na política, as promessas não cumpridas têm particularidades. Para ele, é frequente um candidato prometer uma coisa e, quando no poder, fazer o contrário, porque no Brasil a cidadania não é forte. “Os eleitores são vulneráveis e acreditam em qualquer promessa, por mais absurda que seja. Indica uma falta de senso crítico de quem acredita nelas”.

Na sua avaliação, uma promessa não cumprida é uma boa lição para os dois lados: o político que não entregou e a pessoa que acreditou naquilo. “Quando a pessoa promete uma coisa e faz outra, ela é penalizada”, citando o pensador Immanuel Kant: mentir desfaz a confiança entre as pessoas.