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Por que chegamos ao fundo do tanque?

26/05/2018

Não abasteçam! Não abasteçam! O vídeo do ataque histérico de uma moça, em um posto de gasolina, potrestando contra o aumento dos combustíveis, voltou à mente de muitos brasileiros esta semana. Era março de 2015. Ela estava indignada com o reajuste para R$ 2,80 do litro da gasolina. Pouco mais de três anos depois, a gasolina passou dos R$ 5 e o diesel subiu para quase R$ 3 – o que motivou uma greve dos caminhoneiros que praticamente paralisou todo o país. Mas por que os combustíveis chegaram a valores nunca vistos antes na história deste país? 

Estradas
O primeiro aspecto a ser considerado é a opção pelo modal rodoviário, em vez de investir em ferrovias -modelo utilizado em outros países de dimensões continentais, como Estados Unidos e Índia, e na Europa. "Governar é abrir estradas", dizia Washington Luis, presidente do Brasil entre 1928 e 1930. O mote foi seguido à risca por seus sucessores, sendo Juscelino Kubistchek seu maior entusiasta. Hoje, o Brasil tem cerca de 1,6 milhão de quilômetros de estradas e apenas 15 mil quilômetros de linhas férreas. A Índia, um país com um terço do tamanho do Brasil, tem 80 mil quilômetros de ferrovias. Os Estados Unidos, cuja extensão territorial é apenas 10% maior que o Brasil, possuem 226 mil quilômetros. 

A consequência disso é um transporte mais caro e mais impactos negativos (poluição, congestionamentos etc).

 

Outras matrizes
Além de não investir na malha ferroviária, o Brasil abriu mão de projetos de energias alternativas, como o do etanol e o biodiesel erelativizou a importância de usinas eólicas e solares.

 

Política de preços


O salto nos valores dos combustíveis no Brasil ocorreu após a mudança na política de preços da Petrobras, assim que Pedro Parente assumiu a presidência da empresa: o custo acompanharia o preço do petróleo nos mercados internacionais. O argumento de Parente é que, no período em que Dilma Rousseff era presidente da República, a Petrobras segurava artificialmente os preços dos combustíveis, muitas vezes vendendo os produtos mais baratos do que seu custo de produção. 

Dilma sustentava que a medida era necessária pois, se os aumentos fossem repassados ao consumidor, a inflação aumentaria descontroladamente. Não por coincidência, ela vigorou com mais intensidade nos meses que antecederam a campanha de Dilma por sua reeleição. Nesta época, o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, defendia a equiparação dos preços ao mercado internacional (hoje aplicada por Pedro Parente), mas Dilma refutou.

 

A saúde da Petrobras

O calor das disputas políticas levou muita gente a acreditar que a Petrobras "quebrou" por conta do chamado Petrolão. A roubalheira foi gigantesca — a Polícia Federal estima que foram desviados cerca de R$ 42 bilhões—  mas, ainda assim, sozinha, não seria responsável pelo caos financeiro da empresa (uma das maiores do mundo). 

É uma empresa gigante. Seu valor de mercado chegou a R$ 510 bilhões em 2008, quando teve uma receita operacional líquida de R$ 215,1 bilhões (lucro líquido de R$ 33,9 bi). No auge do escândalo do Petrolão, em 2016, seu valor de mercado caiu para R$ 73,7 bilhões (queda de 85%) e atualmente está em torno dos R$ 290 bilhões.

O caos financeiro se deveu por outras razões. Entre os principais, a queda no valor do barril de petróleo no mercado internacional. A cotação caiu de US$ 110 (fevereiro de 2014) para US$ 25 (janeiro de 2016). Outro motivo foi o investimento feito pela empresa na exploração das reservas do pré-sal e na construção de refinarias. Para isso, além de dinheiro próprio, a empresa recorreu a empréstimos internacionais. 

Outro fator determinante para degringolar o caixa da Petrobras foi a decisão de Dilma Rousseff, de segurar os preços dos combustíveis, a pretexto de conter o aumento da inflação. Especialistas calculam que a empresa teve um prejuízo mensal de R$ 3 bilhões por causa desta estratégia.

Todo esse cenário aumentar de R$ 39 bilhões (dezembro de 2007) para R$ 359 bilhões (agosto de 2017).

 

Resultado financeiro da Petrobras


 

O resgate da empresa
Desde que assumiu como presidente da Petrobras, Pedro Parente deixou claro a sua linha-mestra: reduzir o máximo possível a participação da estatal no segmento, com a concessão de blocos de exploração de petróleo e gás para a iniciativa privada e venda de ativos – principalmente refinarias. Trata-se de uma visão ideológica do papel do poder público na economia, que rende intermináveis e acaloradas discussões. 

Assim, segundo dados da própria Petrobras, a recuperação financeira vem sendo feita baseada nos "programas de parcerias e desinvestimentos" (em vez de a estatal explorar as reservas já descobertas do pré-sal, ela repassa a operação para empresas estrangeiras como a anglo-holandesa Shell, a francesa Total, a espanhola Repsol e a chinesa CNPC).

Dentro desta lógica de reduzir a participação da Petrobras está o plano de venda de refinarias. Em abril, Parente anunciou que pretende vender 60% de participação em quatro refinarias: Alberto Pasqualini (REFAP), Presidente Getúlio Vargas (REPAR), Landulpho Alves Mataripe (RLAM) e Abreu e Lima (RNEST).

O enxugamento das operações da Petrobras vai na contra-mão das práticas das maiores empresas do setor no mundo. "Uma empresa petrolífera deve buscar ter o controle de todo o processo, da extração do subsolo à entrega ao consumidor final". O conceito, que parece vindo de algum líder esquerdista estatizante, é defendido com unhas e dentes pelo presidente da Shell, Ben Van Beurden. Segundo ele, quanto maior o controle das etapas de produção, refino e distribuição, mais rentável é o negócio.

 

Mercado internacional
Pedro Parente estabeleceu a política de preços atrelada ao mercado internacional, argumentando que isso confere credibilidade à empresa, atraindo investidores, na medida que impede ingerências políticas prejudiciais à saúde financeira da empresa. Segundo o analista de petróleo Walter de Vitto, da Tendências Consultoria, o objetivo é reaver as perdas verificadas entre 2011 e 2014, quando a Petrobras praticou preços abaixo do mercado internacional, e equacionar a situação de endividamento elevado da empresa.

 

Importação de derivados 
Outra mudança foi quanto ao volume de importações de derivados. Segundo dados da Agência Nacional de Petróleo (ANP), o Brasil aumentou em 41% a importação de derivados do petróleo e reduziu a produção de suas refinarias, de 97% (2013) da capacidade instalada para 75% (2017). 

A importação de diesel aumentou: 62,8%. O volume comprado dos EUA aumentou 360%. A participação do diesel americano subiu. Em 2015, 41% do diesel importado pelo Brasil vinha dos EUA. Em 2017, subiu para 80%. Em resumo: o Brasil deixou de refinar o próprio petróleo para comprar dos Estados Unidos.

O consultor Walter de Vitto considera "estranha" a substituição de produtos nacionais por importados. "Isso, de fato, só deveria ocorrer se a Petrobras tivesse prejuízo com o refino, o que atualmente não me parece ser o caso", diz.
 

O peso do petróleo 
O Brasil produz 2,15 milhões de barris diários de petróleo e consome menos de 2 milhões de barris por dia. À primeira vista, parece que o país é autossuficiente deste tipo de energia, mas não. O motivo é a capacidade de refino do produto. E isso tem a ver com a qualidade do petróleo a ser processado.

Apesar de as bolsas de valores estabelecerem um valor único para o barril de petróleo, existem centenas de tipos dele, classificados segundo a facilidade com que pode ser refinado. Há uma escala, denominada API (sigla de American Petroleum Institute), definida de acordo com a quantidade de átomos de carbono. Há petróleos com mais de 70 átomos de carbono. API até 22, "pesado". De 23 a 30, "intermediário". Acima de 31, "leve". O petróleo prospectado na Arábia Saudita, por exemplo, tem valor maior porque seu API pode chegar a 50. 

Boa parte das reservas brasileiras são de petróleo pesado, mais difíceis (e custoso) de ser refinado -o que justificaria a importação do produto. Ao longo de décadas, os profissionais da Petrobras desenvolveram tecnologia para o refino com viabilidade comercial. 

O passo seguinte para a autossuficiência foi a construção de refinarias. Mas no meio do caminho o plano encontrou figuras como Paulo Roberto Costa, Edison Lobão, Eduardo Cunha, José Dirceu, Antônio Palocci, André Vargas, Fernando Collor, Eduardo Campos, Aecio Neves…

No esquema envolvendo empreiteiras e políticos conhecido como Petrolão, foram rapinados cerca de R$ 42 bilhões, segundo cálculos da Operação Lava Jato.

Caso exemplar é a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Orçada inicialmente para custar US$ 2,4 bilhões, para ter a capacidade de processar 230 mil barris de petróleo por dia, saiu por US$ 18,5 bilhões. 

A empresa caiu em descrédito. A ação da Petrobras, que valia R$ 43,66 em maio de 2008, chegou a R$ 4,80 em janeiro de 2016. Era o fundo do poço.

 

O peso dos tributos


Hoje, de cada R$ 1 no preço do combustível, 45 centavos são impostos. E este é o grande motivo do protesto de caminhoneiros que paralisou o país. O impasse está criado e ninguém sabe como a situação será resolvida. O movimento pede a redução de tributos, mas os governos federal e estaduais não estão dispostos a abrir mão destes recursos. 

O aumento dos combustíveis ao consumidor final pode desencadear um aumento generalizado de preços e, consequentemente, a volta da inflação. Para evitar isso, o governo Temer sinaliza com a possibilidade de bancar o rombo com um dinheiro que não tem. A tendência é, mais uma vez, sobrar para o cidadão brasileiro, que provavelmente terá que pagar mais impostos -se não nos que incidem sobre os combustíveis, em outros tributos.

 

A autossuficiência
Um país autossuficiente significa ter o domínio completo de todas as etapas de produção, podendo definir o preço ao consumidor de acordo com seus custos, sem a pressão das oscilações no mercado internacional. A Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPET), que é formado por profissionais de carreira da empresa, informa que o custo de exploração de cada barril das reservas do pré-sal é de US$ 7 e o de seu refino, US$ 3. Somando-se a estes valores a chamada Realização da empresa e os impostos, o preço para o consumidor certamente seria menor que o hoje cobrado nas bombas de todo o país.