Comportamento

O País cai na real!

16/06/2018

É só andar um pouco pelas ruas ou conversar com as pessoas para perceber que a Copa do Mundo não empolga tanto o brasileiro, como acontecia no passado. Em 2014, apesar de sediar a competição, o Brasil apresentava uma certa desconfiança, por conta de um embate político que praticamente dividiu o país. Um clima completamente diferente de outras copas, quando as cores da bandeira estavam presentes por toda parte: ruas pintadas, lojas e residências decoradas, bandeiras, camisas, cornetas, televisões ligadas.

Este clima de desânimo, ou pelo menos apatia, nos faz refletir sobre suas causas – e consequências. O Brasil deixou de ser o país do futebol? Se sim, isso é bom ou ruim?
 

Pátria de chuteiras
A paixão do brasileiro pelo futebol se confunde com a história recente do Brasil. O fascínio é maior ainda durante os mundiais, apesar de grandes decepções dentro de campo. A lista é enorme: em 1950, perdemos a final para o Uruguai em pleno Maracanã; em 1978, a seleção foi eliminada, apesar de terminar o torneio invicta; em 1982, o time de Telê Santana sofreu uma derrota dramática para a Itália de Paolo Rossi; em 1998, perdeu a final para a França após um polêmico episódio envolvendo Ronaldo; em 2014, 7 a 1. 

Autor de frases implacáveis, o dramaturgo Nelson Rodrigues disse certa vez: "o futebol é a coisa mais importante dentre as coisas desimportantes". O brasileiro levou às últimas consequências este paradoxo e se entregou de corpo e alma, copa após copa. 

Apesar de não ser uma tática exclusiva do Brasil, diversos governos buscaram fazer uso político do futebol. O exemplo mais explícito foi a Copa de 1970, em plena ditadura militar: enquanto Pelé e companhia brilhavam dentro das quatro linhas, o pau comia solto nos porões do regime autoritário, com tortura, assassinatos, medo e censura. Tudo em clima de "Pra frente, Brasil!".

 

A virada do jogo
Este entusiasmo incondicional do brasileiro começou a mudar em 2014, quando o país sediou o Mundial. Ano de eleição presidencial, o país estava rachado em duas metades praticamente iguais. A crise econômica que se aprofundaria logo depois já começava a dar sinais. Ao mesmo tempo, os investimentos bilionários na construção de estádios e em obras de infraestrutura que não ficaram prontas eram criticadas com vigor. Tudo isso antes de virem à nota os escândalos de corrupção. 

Para completar, dentro de campo um time emocionalmente frágil, escorado num único jogador, indicava que a pátria não estava bem representada nas chuteiras. E a goleada imposta pela Alemanha foi a pá de cal.

 

O Brasil fora de campo


Foram gastos R$ 8,3 bilhões apenas na construção de estádios para sediar a Copa de 2014 – extravagâncias como a Arena Pantanal, a Arena das Dunas e a Arena Amazônia, estádios que até hoje são subutilizados e que têm altíssimo custo de manutenção. Em resumo, gigantescos elefantes brancos. No total, em recursos públicos, foram R$ 25,5 bilhões em obras de infraestrutura -o que, na época, vendeu-se como "o legado da copa". Boa parte das obras atrasaram (o metrô até o Aeroporto de Guarulhos, por exemplo, só foi concluído este ano), outras foram concluídas e algumas ficaram só no powerpoint.

Ao mesmo tempo, o brasileiro testemunha sérios problemas nos serviços públicos, especialmente na saúde, educação e segurança. 

O sentimento de revolta aumentou com a revelação dos esquemas de corrupção bilionários, que beneficiaram empreiteiros e políticos de todos os partidos. A Operação Lava Jato estima que cerca de R$ 121 milhões foram parar nos bolsos de políticos e outros agentes públicos, mas o valor dos superfaturamentos, que ficou com os empreiteiros, certamente foi bem maior.

Decepções que vêm do campo


A população brasileira parece ter percebido também que assiste a uma festa nobre para a qual não foi convidada. Cartolas, técnicos e jogadores fazem parte de um mundo com cifras milionárias, distante do dia a dia do cidadão comum, que precisa dar duro para sobreviver. Ao mesmo tempo que sofre para pagar as próprias contas, o brasileiro acompanha a vida de luxo e ostentação das celebridades da bola -mais evidentes ainda com as redes sociais.

 

A crise
Os casos de corrupção, envolvendo não só as obras da Copa, revelaram um mundo subterrâneo que o brasileiro sabia existir, mas não a sua real dimensão. Além disso, a própria situação da economia nacional fez o cidadão comum entender que precisar correr atrás da bola para sobreviver.

 

Brasileiro volta ao mundo real

Profissional que orientou craques como Diego, Robinho e Neymar no Santos FC, a psicóloga Sonia Roman acredita que o torcedor brasileiro está mais amadurecido e sabendo diferenciar o futebol do "mundo real".

Por que o torcedor brasileiro está mais desanimado nesta Copa do Mundo?
Sonia Roman-
Não sei se é desânimo, eu acreditaria mais que o Brasil está mais amadurecido, não é mais aquele adolescente de comprar bandeiras, pintar as ruas, o próprio rosto. Acho que toda essa situação econômica e política foi nos mostrando um Brasil que nós não víamos, porque estava tudo embaixo do tapete. Vivemos uma democracia, talvez a mais vasta, porque surgiu toda a sujeira de debaixo do tapete. Ela é confundida com desordem, mas na verdade é um desenvolvimento. Estamos ficando calejados, vendo como é a realidade do Brasil. Então, não é que a gente não vá ver os jogos. Vamos ver e torcer, mas estamos mais maduros. 

O valor que o brasileiro dá ao futebol está diminuindo?
Sonia Roman-
O futebol ocupava um espaço muito grande na vida do brasileiro, exagerado. Não deveria ser assim. Hoje, já tem a política, a economia, uma série de outras coisas… a vida real! Estamos divididos, muita gente sem dinheiro. Em copas passadas, a economia estava melhor. Estamos desmascarando políticos, estamos mais espertos. Nesta Copa do Mundo, é um olho na televisão e o outro no Brasil.