Perimetral

Vamos continuar afundando a nossa história?

28/07/2018

Santos uma cidade cheia de história e sob alguns aspectos um lugar por onde a história brasileira passou de maneira fundamental. Impossível falar da história de nosso país sem que nos lembremos da passagem de D. Pedro na antiga Vila de Santos previamente à proclamação da nossa independência.

 

Segundos os historiadores em 5 de setembro, o príncipe estava em São Paulo a caminho de Santos para inspecionar o sistema de defesa da vila, uma das mais importantes do país naquela época. A viagem, seria uma oportunidade para José Bonifácio convencer definitivamente o regente a ir em frente com a decisão política da independência. D. Pedro chegou no Porto Geral de Cubatão, pegou um barco para Santos e desembarcou aqui às 4 da tarde. Circulou pela vila, em lugares como a Travessa da Alfândega (atual Rua Frei Gaspar) e pela Rua Meridional (atual Praça da República), até chegar na antiga Igreja Matriz.

 

A história brasileira “caminhou” em nossas ruas, porém infelizmente pouco destaque damos para isto. Em qualquer outro país que valoriza a sua história, nossa cidade e locais históricos seriam um orgulho para os moradores e grandes instrumentos turísticos.

 

Esta cidade que viabilizou o maior porto do hemisfério sul, se desenvolveu com toda digna pompa, recebendo investimentos dos chamados barões do café, com as construções e suntuosas mansões e belos hotéis, teatros e cassinos. Mas da mesma forma como abandonamos nossos locais e ruas envolvidas com a independência nacional, também acompanhamos calados e omissos suas demolições.

 

Quem teve a oportunidade de conhecer o tradicional conjunto hoteleiro Balneário, não consegue hoje pensar neste passado de glórias da cidade sem se emocionar e se sentir envergonhado pela perda. Como um conjunto arquitetônico como o Parque Balneário pôde ser demolido? Mas, nos acostumamos a assistir o enterro do passado de forma calada e omissa. Nossa tradição destruidora de passado e história não se interrompeu.

 

Acompanhamos a destruição da maior rede de bondes, por metro quadrado de área em uma cidade nas Américas, como também vimos nossa rede de ônibus elétricos ser dizimada. Como não se emocionar ao nos lembrarmos que os bondes eram destruídos com machadadas, vendidos como sucatas. O máximo que um destes veículos seculares poderia conseguir como homenagem seria ser doado para um pátio de escola ou de alguma praça, onde ao longo de anos seria canibalizado e teria seus detalhes furtados ou deteriorados.

 

Foram-se as suntuosas edificações como o Parque Balneário e retiraram-se os bondes à luz dos dias, pois afinal, nos acostumamos a ficar calados e omissos. Mas há algo acontecendo agora, que pode permitir que mudemos nossa maneira de tratar a história.

 

Em 1.946 um cientista nascido em São Petesburgo, na Rússia, amante do mar, Professor Wladimir Besnard, foi convidado para se mudar para o Brasil com a missão de implantar na USP, o Instituto Paulista de Oceanografia, hoje o Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo. O Prof. Besnard definiu um objetivo central e não sossegou até que conseguiu a aquisição de um navio oceanográfico.

 

Para dar forma ao modelo escolhido pela Universidade de São Paulo, definiram o estaleiro A/S Mjellem Karlsen, em Bergen, Noruega, a quem coube o projeto final da embarcação. Em 1967, já batizado em homenagem ao seu idealizador morto pouco antes, ele foi entregue e trazido para Santos. Novamente a cidade de Santos, com seu porto e mar, figuraria na história nacional, agora no ambiental da oceanografia.

 

O único navio oceanográfico brasileiro, tinha o Porto e a Cidade de Santos, como seu lugar seguro. O Prof W Besnard navegou mais de 3.000 dias. Durante os primeiros 23 anos, o navio navegou sem interrupções!

 

Só de Antártica ele acumula seis expedições. Ao todo, foram mais de 150 viagens! 68 diários de bordo para contar a história, ou mais de 50 mil amostras de organismos marinhos coletados. 23 anos navegando ininterruptamente, mais de 150 viagens, e 50 mil amostras de organismos marinhos. Porém, numa tarde de novembro de 2008, um incêndio irrompeu num dos camarotes do navio, fundeado na Baía de Guanabara.

 

Não houve vítimas, e os próprios tripulantes controlaram a situação. Mas o incêndio pôs o ponto final em sua história de serviços prestados ao país. Conseguiu navegar para o seu lar costumeiro. O Porto e a Cidade de Santos, como se estivesse imaginando que aqui seria defendido e cuidado. Ledo engano. Tão logo possível foi substituído pelo modernizado navio Alpha Crucis, que assumiu o posto sem nenhum respeito ao passado.

 

Durante anos, como se estivesse pedindo que fosse visto, o navio Prof. W. Besnard permanece atracado no Porto de Santos, sendo desmontado sem o menor respeito. Abandonado e maltratado, seguindo a tradição de desleixo com a história, este navio amado pelos cientistas, pela Marinha e por muitos de nós santistas, acompanha “calado” a discussão sobre o seu destino.

 

Fala-se em afundar o navio para gerar um berçário de peixes. Inclusive afundar bem longe de sua amada cidade de Santos. Será que as lideranças de nossa cidade e de nosso porto vão permanecer caladas e omissas? Será que a maior homenagem que o navio W Besnard vai receber será uma imagem na TV de sua última passagem no canal do porto rumo ao seu afundamento? Será que vamos continuar calados e omissos com mais este naufrágio de nossa história.

 

Temos uma oportunidade para começar a mudar nossa tradição de permitir o abandono de nossa história. Vamos gritar e nos posicionar em defesa da transformação do navio W Besnard em um museu oceanográfico ou algo similiar. O querido Prof. W. Besnard não merece nosso silêncio e omissão.