Coluna Dois

Cartola brasileiro condenado por propina nos Estados Unidos

25/08/2018

José Maria Marin, ex-presidente da CBF, foi condenado nesta  semana, nos Estados Unidos, a 48 meses de prisão. A juíza Pamela Chen, de Nova York, também aplicou ao cartola brasileiro multa de US$ 1,2 milhão (cerca de R$ 5 milhões) e mais um confisco de US$ 3,34 milhões das contas dele (mais de R$ 13 milhões).

A notícia não teve, nos meios de comunicação brasileiros, o destaque que merece. Isso talvez se deva ao fato de Marin, 86, já estar preso nos Estados Unidos desde 2015 e portanto afastado de funções de destaque no futebol brasileiro.

A questão que essa condenação apresenta, entretanto, é muito importante. Ela levanta o véu que encobre há muitas décadas as práticas tortas e apodrecidas que balizam a atuação da cartolagem no Brasil.

O que vale para a CBF – Confederação Brasileira de Futebol – vale também, em grau idêntico, para federações e clubes.

No mesmo ano em que Marin foi preso na Suíça e extraditado para os Estados Unidos, 2015, um gravíssimo escândalo estourou no São Paulo, clube que por muitas décadas foi apontado como exemplo de boa administração no futebol brasileiro.

O então vice de futebol do Tricolor, Ataíde Gil Guerreiro, gravou o presidente do clube conversando com ele sobre pagamento por baixo do pano, “em dinheiro vivo”, de comissões em negócios do clube. Aidar, que depois renunciou e foi expulso do Conselho do São Paulo junto com Ataíde, explica com clareza o método:
“Quando vendemos, colocamos um valor menor. Quando compramos, um valor maior do que o que deveria ser pago”. 

  
A prática é jogar essa diferença, esse prejuízo que o clube tem em cada negócio feito dessa maneira, em “comissões” pagas a intermediários que “racham” esses valores com os cartolas que toma essas decisões. Por isso é que se vê tanta “comissão gorda” nos negócios do futebol.

Nada escapa desse esquema. Na gravação, Ataíde e Aidar falam de negociações de jogadores, mas também de fornecimento de uniformes, concessão de instalação de hamburgueria no estádio…
Na gravação feita por Ataíde também está uma parte da explicação da impunidade dos cartolas nesse esquema de roubalheira:

Ataíde Gil Guerreiro garantiu que Aidar não pode sofrer consequências na esfera criminal, pois, pelo Código Penal brasileiro, cobrar comissões numa entidade privada não é crime.

Clubes, federações e confederações são entidades privadas. Assim, quando o cartola pega a propina, não está cometendo crime. O problema é que ele tem de esconder. Porque, se a coisa vaza, ele é enxotado do cargo pelos associados, pela opinião pública. Como esconde, como não pode declarar, tem de lavar o dinheiro. Aí comete crime. Por isso Marin, que chorou ao ser condenado nesta semana e disse que a vida dele “se tornou um inferno” depois da condenação, foi preso.

Essa roubalheira não passa batida só pelos meios de comunicação. Se a justiça brasileira – Ministério Público e magistratura – tivesse o rigor da dos Estados Unidos, muitos dirigentes de clubes e federações também estariam na cadeia. 

Muitos cartolas argumentam, para se defender, que o sistema é corrompido, que “funciona assim”. Na sentença em que condenou Marin, a juíza Pamela Chen refuta essa argumentação esfarrapada e explica de maneira definitiva qual deve ser, nesse caso, o comportamento correto: “Ao tomar conhecimento disso, o dirigente Marin deveria ter dito “não” e expor o esquema, em vez de se juntar a ele.

Investigação
O Conselho Deliberativo do Santos decidiu, na semana passada, enviar ao Ministério Público, para investigação de possível crime, um contrato em que o clube, em dezembro do ano passado, finalzinho da gestão de Modesto Roma, confessa uma dívida milionária com uma empresa sediada em Malta por suposta intermediação do recebimento da porcentagem devida ao Santos, como clube formador, pelo Paris Saint Germain, na transferência de Neymar, em agosto daquele mesmo ano.

Imbroglio
Um estudo detalhado, e publicado por um torcedor em rede social, do caso envolvendo a escalação do jogador Pato Sanchez pelo Santos no jogo desta semana contra o Independiente, pela Libertadores, pode absolver o clube de possível irregularidade. Trata-se da anistia da Conmebol, em 2016, para punições aplicadas pela entidade. Ela reduz as prescrições à metade. A da punição de Sanchez, cinco anos, reduzida a dois e meio, daria condição de jogo a ele em maio deste ano, o que coincide com a data em que ele aparece liberado no sistema eletrônico da Conmebol, o Comet.