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Resenha da semana: Nico, 1988

01/09/2018

Visionária. Destemida. Ícone dos anos 80. É incrível como o cinema nos proporciona conhecer histórias que até então desconhecíamos, e para mim, ainda não havia ouvido falar sobre Nico, modelo e música que ficou famosa ao fazer parte do icônico álbum dos anos 60 da mítica banda The Velvet Underground. Retratado entre 1986 e 1988, este longa mostra a artista no fundo do poço, vivendo com o mínimo de dignidade e relembrando seus tempos de beleza em desfiles de passarela ou entre os vazios da fama. Juntando-se a isso, temos problemas com drogas, um drama de uma pessoa de meia idade e o retrato de uma mulher atormentada por um passado de fama e beleza. Este já é um enredo interessante para manter a atenção do espectador, que aqui conhecerá um pouco mais sobre essa artista, que vivia em um universo o qual a beleza era uma obrigação (e que para ela representava uma prisão) e possivelmente sairá do cinema com maior apreço sobre seu trabalho e sua obra.

 

O longa se concentra em Christa Päffgen (Trina Dyrholm), mais conhecida pelo seu nome artístico Nico, que fez muito sucesso no final da década de 60 ao lado da banda Velvet Underground. Vinte anos depois, a cantora tenta desenvolver a sua carreira solo ao mesmo tempo em que precisa lidar com os fantasmas do passado: o vício em drogas, a relação problemática com o filho e a depressão que a acompanhou durante toda a vida. Dirigido pela italiana Susanna Nicchiarelli, em seu primeiro trabalho, o longa mergulha na trajetória de Nico de corpo e alma apresentando logo de cara uma pessoal instável, decadente e os seus abusos com drogas, que a faziam oscilar entre a frustração e a fúria. A cineasta opta por retratar a artista com um olhar delicado e carinhoso, para uma persona que muitos outros diretores retratariam como um trem desgovernado, com constantes enquadramentos focando o rosto de  Dyrholm em primeiro plano, o que traz um grande aspecto de melancolia devido a seu semblante.

 

Ela prefere focar na decadência, voz arrastada, o abuso em álcool, a depressão, a mulher por de trás do ícone. Este longa, por vezes, me lembrou do documentário sobre Janis Joplin (que tem crítica aqui no site), por humanizar uma artista que viveu lutando contra seus demônios. O roteiro, também escrito pela diretora, é basicamente um road movie e retrata a tour que a artista iniciou em Manchester e terminou no leste europeu. O texto é acessível e funciona mesmo para quem não conheceu a cantora e a apresenta sem julgamentos, sem querer que o público tenha algum tipo de compaixão por ela. É uma narrativa sem grandes surpresas e que não se aprofunda, por exemplo, na instável relação que a cantora tinha com o filho, que é pautada com um misto de amor e culpa mas sem cair nos clichês que estamos acostumados.

 

A trilha sonora é o destaque, o que era obrigação em se tratando da história de uma artista musical, e as apresentações da cantora no palco são fiéis em sua representação. A fotografia de Crystel Fournier tem um visual de câmera de 16mm com uma marca visual granulada, que dá um tom documental ao filme.

 

Quem dá vida a Nico é a atriz dinamarquesa Trine Dyrholm, que imprime uma densidade dramática fantástica seja em seu olhar ou nas expressões faciais, mas é em sua voz que sua atuação emociona quando traz a superfície todas as fragilidades, frustrações e raiva no momento em que canta "These Days", em uma sequência alucinante de imagens em arquivo.

 

Nico, 1988 está longe de ser uma das melhores biografias que você já viu, mas é interessante por abordar a vida de uma trágica artista que é desconhecida pelo grande público e que conta com uma inspirada performance no papel principal.

 

Curiosidades:  Filme selecionado para a Festa do Cinema Italiano de 2018.

 

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