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#Elas, sim!

22/09/2018

Apesar de serem maioria da população brasileira e, a cada dia que passa, ocuparem mais cargos de comando em empresa e órgãos públicos, as mulheres ainda estão sub representadas em cargos eletivos e não são contempladas a contento com políticas públicas em temas que interferem diretamente na vida delas: atendimento de saúde, combate à violência doméstica, assédio moral e sexual, igualdade de tratamento no ambiente profissional…

Mas há sinais claros de que está ocorrendo um desabrochar de iniciativas em busca do fortalecimento feminino, defendido tanto por mulheres mas também por homens que percebem a necessidade de se combater as desigualdades de gênero.

 

Baixa representação


Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) indicam que hoje o Brasil possui 77,3 milhões de eleitoras — 52,5% do total de 147,2 milhões de eleitores— e 69,9 milhões (47,5%) de homens. A maioria feminina vem aumento a cada eleição: em 2014, representavam 52,1%; em 2002, 51,1%.

No entanto, o cenário não se repente na ocupação de cargos eletivos. Nas eleições de 2014, dos 1.035 legisladores estaduais eleitos, apenas 114 eram mulheres (11% do total). No Congresso Nacional, só 10% (54 das 513) das vagas são ocupadas por deputadas; no Senado, apenas 14%. É uma situação que contrasta com a de outros países. Entre 193 países monitorados pela Procuradoria Especial da Mulher, a Câmara dos Deputados Brasileiras ocupa o 153º lugar, entre 193 países, sendo a última, entre os países da América Latina. Ruanda, na África, lidera o ranking, com 61,3% de deputadas e 38,5% de senadoras. Já a Suécia tem 52,2% de parlamentares mulheres. 

No Poder Executivo, a situação se repete: estudo do projeto Mulheres Inspiradoras revela que o Brasil ocupa a 161ª posição em um ranking de 186 países sobre a representatividade feminina.

Cota feminina
Uma tentativa de acabar com esta desproporção fa mudança na legislação eleitoral determinando aos partidos que no mínimo 30% das candidaturas sejam de mulheres. Caso contrário, não teriam acesso às verbas do Fundo Eleitoral. Os dados do TSE parecem indicar que a regra vem sendo respeitada: as mulheres são 30,7% das candidaturas para deputado estadual e 31,59% para deputado federal. Mas a realidade é bem outra. Os partidos apenas inscrevem mulheres para cumprir a legislação, mas na prática elas não fazem campanha. São candidaturas fantasmas. Os resultados da eleição de 2014 indicam que, no Brasil, 14.417 mulheres não tiveram sequer um voto —nem o delas mesmas. Já os homens que tiveram “zero voto” foram 1.714.

Mercado de trabalho
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstram que não é uma questão de opinião concluir que há desigualdades entre homens e mulheres. Mesmo tendo escolaridade superior à dos homens, elas ganham menos: o rendimento médio mensal entre as mulheres é de R$ 1.764, enquanto dos homens é de R$ 2.306. 

Apesar de serem 52% população brasileira, são apenas 43,8% dos trabalhadores. E ocupam só 37,8% dos cargos de comando. Além disso, as mulheres que trabalham fora de casa dedicam cerca de 73% mais tempo a tarefas domésticas do que os homens. A situação já foi muito pior, em 1991, uma mulher ganhava 63% do que um homem, ao exercer a mesma função. Hoje, a disparidade está em 75%. Portanto, ainda há muito a avançar.

 

Voto das mulheres pode decidir eleição

Dois cientistas políticos, um homem e uma mulher, convergem sobre a importância do aumento da participação feminina na política e também concordam que o voto das mulheres pode ser decisivo nesta eleição. Confira as respostas de Rafael Moreira e Beatriz Rodrigues Sanchez, ambos doutorandos em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP).

 

Na sua avaliação, faz diferença haver mais mulheres eleitas?  Não daria no mesmo ter homens defendendo causas femininas?
Beatriz Rodrigues Sanchez-
Essa questão diz respeito à dicotomia entre política de ideias e política de presença. Não basta que os representantes defendam os interesses das mulheres, é preciso que as mulheres estejam elas próprias presentes nas instituições. Em primeiro lugar, por uma questão de justiça, já que representamos mais da metade da população brasileira. Em segundo lugar, porque nós, por vivenciarmos em nosso cotidiano experiências que os homens não vivem, podemos trazer um olhar diferente para a política. Por fim, quando mais mulheres ocupam os espaços de poder, outras mulheres percebem que elas também podem fazer parte da política.

Rafael Moreira- Faz muita diferença. Temos uma série de estudos que indicam que países com mais mulheres na política têm menos corrupção, ou pelo menos um menor grau de percepção da corrupção. Além disso, as mulheres colocam em pauta assuntos que só uma mulher, por ter uma trajetória de vida numa sociedade machista como a nossa, pode colocar. Não à toa, lutaram tanto para o estabelecimento de política de cotas. É um primeiro passo.

 

Você acredita que eleitoras tendem a votar em candidatos que defendem causas femininas ou isso não pesa tanto na decisão do voto? Outros assuntos, como combate à corrupção, segurança pública e política econômica, seriam mais importantes?
Beatriz-
Acredito que as mulheres se preocupam com questões relacionadas à igualdade de gênero e direitos das mulheres no momento do voto. Exemplo disso é a grande mobilização de mulheres contra Jair Bolsonaro, que em sua prática política já demonstrou comportamentos machistas, como quando disse que uma deputada “não merecia ser estuprada”. Isso não quer dizer que as mulheres apenas se preocupem com questões “femininas”. Temas como a corrupção, segurança pública e política econômica também fazem partes das preocupações do eleitorado feminino. 

Rafael- Notamos no Brasil um movimento crescente de mulheres votando em mulheres, justamente porque há esta percepção de um grande desequilíbrio na representação. Temos índices muito complicados, em comparação até mesmo a nossos vizinhos na América Latina, muito baixos. Temos avançado, mas estamos muito aquém. Atravessamos uma onda feminista no Brasil e isso até reflete na rejeição que Jair Bolsonaro tem, que é muito maior à que ele tem entre os homens, pois ele tem um discurso extremamente machista. Nunca tivemos um candidato com uma disparidade tão grande.

 

Em que medida um candidato pode ter menos votos de eleitoras por ter posições machistas? Isso pode ser decisivo numa eleição?
Beatriz-
O voto feminino pode ter grande impacto nas eleições, uma vez que nós representamos mais da metade da população e do eleitorado. Além disso, as mulheres são maioria entre os eleitores indecisos. Dessa forma, a campanha de mulheres, tanto virtual quanto presencial, contra um candidato machista pode, sim, ter efeito no resultado das eleições.

Moreira- Estamos passando no Brasil por uma onda feminina muito bacana, um processo contínuo de empoderamento das mulheres, e também de auto-organização, lutando por mais espaço e representação na política e também de uma outra série de pautas. Nesse sentido, a rejeição a um candidato que defende posições machistas pode ser decisiva, sim, numa eleição acirrada.

 

Manifestação na Praça da Independência
Uma demonstração da capacidade de mobilização das mulheres acontece no próximo sábado, em várias cidades brasileiras e de também de outros países. Em Santos, o ato “Ele Não! Mulheres contra Bolsonaro” acontece a partir das 15h, na Praça da Independência (Gonzaga). A manifestação vem em sequência à criação no Facebook do grupo “Mulheres Unidas Contra Bolsonaro” que em cerca de 24 horas teve 2,5 milhões de adesões femininas. A organização do evento sugere que os participantes (mulheres e homens solidários à causa) vistam lilás.