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Debate presidencial que não passou na TV

29/09/2018

Pura ironia chegar à sede da emissora para acompanhar um debate entre candidatos a presidente e ver, logo na entrada, uma placa anunciando a novela “Poliana” — a personagem que acreditava em tudo o que lhes diziam. 

 

Diferente do debate promovido pelo mesmo SBT quatro anos antes, reunindo Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB), o deste ano, realizado na quarta-feira (24), teve uma temperatura muito mais morna. Enquanto em 2014, num clima muito mais acirrado, militantes de ambos os lados quase que chegaram às vias de fato, em 2018 a apatia foi geral, com alguns poucos momentos de maior fervura. 

 


Foto: Lourival Ribeiro/SBT

 

Apenas Jair Bolsonaro (PSL), que se recupera de um atentado, não compareceu. Cabo Daciolo (Patriota), que havia faltado a debates anteriores, terminou um jejum de 21 dias no alto do Monte Céu Aberto e veio direto do Rio de Janeiro, de carro. 

 

Desafiando a Lei de Newton

Os candidatos começaram a chegar à sede do SBT, na Via Anhanguera, cerca de 1h30 antes do início do debate, marcado para as 17h45. Chegavam a bordo de vans, concediam entrevistas para os jornalistas da emissora e em seguida se dirigiam a uma grade, onde do outro lado estavam dezenas de repórteres, fotógrafos e cinegrafistas de veículos do Brasil e de outros países. 
 

Em busca do melhor ângulo, cinegrafistas e fotógrafos desafiavam a Lei de Newton (segundo a qual dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço simultaneamente), e literalmente se acotovelavam ao redor dos candidatos.

 

Um ou outro jornalista mais afoito, em busca do melhor enquadramento, acabavam se precipitando na frente dos demais e recebiam broncas dos colegas. “Não, rapaz de cor de rosa! Está na frente do candidato!”, reclamou um cinegrafista.

 

Nas entrevistas, Guilherme Boulos (PSOL) Cabo Daciolo (PATRi), Álvaro Dias (Podemos), Marina Silva (REDE) e Henrique Meirelles (MDB) repetiram mais do mesmo, ao melhor estilo jogador de futebol na iminência do início de uma partida de futebol.
 

O fotógrafo da campanha de Fernando Haddad, Ricardo Stucker, se aproximou do gradil e pediu que os colegas indicassem qual o melhor local para o candidato se situar para responder as perguntas. Um jornalista desavisado disparou: “É o Rodrigo Santoro?”, se referindo à semelhança física entre o fotógrafo e o ator. Mas, devido à proximidade do início do debate, o candidato petista foi direto para o estúdio, sem conceder entrevista para os jornalistas dos demais órgãos. 

 

O apresentador Otávio Mesquita, que é conhecido por seu bom humor, aproximou-se do gradil e entrevistou os colegas. “O Fernando Haddad não parou aqui, mas posso garantir que ele estava cheirosinho. Está usando Jequiti”, disse, fazendo alusão à marca de perfumes do dono da emissora.

 

A reclamação dos jornalistas surtiu efeito. Haddad retornou e concedeu entrevista. 

 

Ciro Gomes, que havia sido submetido a uma intervenção médica de emergência, e Geraldo Alckmin chegaram em cima da hora e foram direto para o estúdio.

 

Aquecimento
 

O SBT reservou um espaço no estúdio que leva o nome da apresentadora Hebe Camargo para os jornalistas de outros veículos de comunicação acompanharem o debate, com bancadas, mesas, wi fi e um grande telão, que transmitia a programação normal da emissora. Uma hora e meia do debate, transmitia “Casos de família”, comandado por Christina Rocha, que tinha como tema “Minha mulher é tão brava que…”. No intervalo, uma chamada para a novela ”Que pobres tão ricos” mostrava um pedaço de cena em que a personagem gritava: “Eu odeio ser pobre, odeio ser pobre!”. Pego no susto, um fotógrafo, concordou: “Eu também”.

 

 

Para aplacar a fome dos profissionais, o SBT disponibilizou uma mesa com comes e bebes: refrigerantes, sucos, água, carne maluca, guacamole, canapés, minisanduíches e até um imenso peru.

 

Aos poucos, o auditório do SBT foi sendo ocupado por assessores e convidados dos candidatos. Curiosamente, nenhum candidato a governador de São Paulo compareceu. Mas estavam lá presidentes de partido, candidatos a vice, senadores, deputados e os prefeitos de São Paulo, Bruno Covas, e Santos, Paulo Alexandre Barbosa. 

 

Se seu candidato, Geraldo Alckmin (PSDB), não vai bem nas pesquisas, o prefeito de Santos pareceu mais popular: ao vê-lo, um casal foi cumprimentá-lo e fez questão de tirar uma selfie. E o acento reservado a Paulo Barbosa no auditório revelou prestígio junto ao presidenciável tucano: na primeira fila, bem atrás da câmera principal.
 

O traje do candidato a vice de Marina Silva, Eduardo Jorge (PV), se destacava dos demais. Enquanto praticamente todos estavam de terno, ele vestia um colete de frio acolchoado, muito usado por trilheiros e alpinistas. 

 

O senador José Serra (PSDB) chegou ao auditório do fim do primeiro bloco. Também atrasado, o vereador paulistano Eduardo Suplicy (PT) era cumprimentado com entusiasmo por vários espectadores e funcionários da emissora. A apresentadora Rachel Sheherazade ganhou a disputa dos atrasados: chegou na segunda metade do segundo bloco. 
 

Na plateia, um grupo seleto de jornalistas registrava suas impressões em tempo real nas redes sociais. Ao meu lado esquerdo, Bernardo Mello Franco, do jornal O Globo; na fileira da frente, Leonardo Sakamoto, do portal UOL; duas fileiras à frente, Sérgio Dávila e Cátia Seabre, da Folha de S. Paulo.

 

Temperatura morna

O clima era bem diferente do debate do segundo turno de 2014, entre Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves. Quatro anos atrás, o ambiente era de pura tensão, com adversários trocando ofensas,  com direito a dedo em riste e tom de voz alterado. Neste ano, uma certa apatia reinava no auditório. Breves cochichos e comentários diante de uma fala mais dura ou engraçada. 

 

Numa das respostas, o candidato Henrique Meirelles (MDB) disse que “não era banqueiro, mas bancário”. Gargalhada geral na plateia. “Imagina ele no caixa recebendo boleto e tentando vender plano de capitalização”, ironizou um dos espectadores.
 

Após o encerramento de cada bloco, assessores corriam ao palco desesperados para conversar com seus candidatos. Já na proximidade do fim do intervalo, a vez de se deseperar era dos produtores do SBT que pediam para os assessores dos candidatos deixarem o palco.

 

Fim de debate. O mediador, Carlos Nascimento, se despede. Rapidamente, um time de seguranças cerca o palco com grades. Com o programa fora do ar, uma legião de jornalistas tenta ouvir os candidatos. Os mais assediados são Fernando Haddad (PT), que sofreu a maior parte dos ataques durante o debate, e Cabo Daciolo, já eleito a figura mais folclórica da corrida presidencial. Atendeu a todos com seu entusiasmo característico. E teve quem tirou selfie com o candidato para ganhar uma aposta.