Comportamento

Promessa é dívida?

20/10/2018

Prometer e não cumprir é um comportamento frequentemente associado a políticos — juram mundos e fundos antes da eleição e, após a vitória, nada!. No entanto, a falta de compromisso com a palavra empenhada está presente em todas as dimensões das relações humanas: entre amigos; entre cliente e fornecedor; entre marido e mulher…

Paradoxalmente, a palavra empenhada foi perdendo sua importância na mesma proporção em que a civilização humana evoluiu. Centenas de anos atrás, bastava uma frase dita olho no olho, um aperto de mão. Era “no fio do bigode”. Hoje, mesmo compromissos assumidos por escrito, devidamente assinados, não são garantia de que vão ser honrados. 

Prometer e não cumprir pode ser compulsão, diz psicóloga
Especialista em Psicologia Social, a psicóloga Gisela Monteiro acredita que fazer promessas faz parte de nossa cultura, mas descumpri-las, das mais banais às mais emblemáticas, é sempre prejudicial —o que varia é a gravidade da quebra de compromisso. Nesta entrevista, ela fala sobre os tipos de promessa, o que fazer para evitar ser um “prometedor compulsivo” e orienta  o cidadão sobre como proceder no caso dos políticos. 

 

É possível distinguir a pessoa que promete acreditando que vai cumprir daquela que promete, já sabendo que não conseguirá? Ou ambos os casos são igualmente graves? 
Gisela Monteiro
– Prometer significa assumir um compromisso. É possível a distinção se essas pessoas são conhecidas. Acaba-se construindo uma reputação, entre as que se pode ou não confiar, a partir do cumprimento de promessas anteriores. É bom distinguir a promessa feita de forma informal, sobre assuntos mais superficiais, daquelas feitas sobre temas importantes para uma pessoa ou um grupo social. A gravidade se situa nesse âmbito.

 

Por que as pessoas prometem muitas vezes sabendo que não vão cumprir? 
Gisela Monteiro-
Fazer promessa faz parte da nossa cultura, e muitas vezes ela é feita de forma leviana, o que tira seu valor. Por vezes, é mais força de expressão do que desejo de formular um juramento importante. Mas, se é feita de forma séria e reiteradamente descumprida, podemos supor que há problemas mais sérios em jogo. Por exemplo, uma pessoa com dependência de álcool pode prometer de pés junto toda segunda-feira que nunca mais vai beber e recai inúmeras vezes, quebrando a promessa. Ou pode haver problema de caráter, quando a palavra é dada por algum interesse havendo intenção de não cumpri-la.

 

O que você recomenda para a pessoa que tem compulsão por prometer, mesmo sabendo que não vai conseguir cumprir? 
Gisela Monteiro
– Se há compulsão, recomendo que procure ajuda profissional pra entender esse processo. É importante ensinarmos as crianças a não fazerem isso. É comum tomarem bronca, prometerem não repetir o que fizeram de errado, mas tornarem a fazer. É um processo educativo trabalhoso, mas importante. Lembro ainda que nós, adultos, devemos dar o exemplo.

 

É possível identificar casos mais graves de promessas não cumpridas. Por exemplo, fidelidade no casamento, não pagar uma dívida, a mãe dizer à criança “na volta a gente compra”?
Gisela Monteiro-
Penso que algumas promessas, principalmente as de longo prazo, são muito mais difíceis de serem cumpridas. No mundo tão imprevisível que vivemos, afirmar que manteremos nossa palavra por décadas é quase uma loucura. A promessa de fidelidade conjugal eterna é feita, quase sempre, durante a paixão dos anos iniciais. A convivência cotidiana e o tempo são cruéis, exigindo esforço e um trabalho intenso para manutenção da relação e da promessa. Identificar promessa não cumprida é fácil, quando o prazo é longo o difícil é compreender porque não se conseguiu cumpri-la. O “na volta a gente compra” é uma estratégia para enganar a criança, que entra como o exemplo que não devemos dar, da pergunta anterior. O que se deve fazer então? Dizer que não vai comprar e aguentar a reclamação do filho.

 

É mais grave quando um político não cumpre o que promete? Por que? 
Gisela Monteiro-
Acho gravíssimo político não cumprir promessa. Sugiro que não as faça, se não querem perder sua credibilidade já tão esfacelada. Quando o político é eleito para um cargo e sai no meio do mandato, por exemplo, ele rasga o voto do seu eleitor. Como acreditar no que ele falar daí em diante? Via de regra, eles falam o que as pessoas querem ouvir e depois fazem o que prometeram aos seus financiadores de campanha, ou aos partidos da coligação. Não é à toa que nos sentimos tão abandonados pelos nossos representantes. Por outro lado, ter a reputação de ser um cumpridor de promessa é ter um capital simbólico fantástico, pois é a base da confiança que propicia relações longas e intensas.