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O próximo presidente e o mundo real

27/10/2018

Kit gay, tirar o nome do SPC, 13º salário do Bolsa Família, Ursal, redução do preço do botijão de gás… Por conta da polarização, a eleição presidencial deste ano trouxe importância demais a temas periféricos e deixou de lado assuntos muito mais importantes, como combate ao déficit fiscal (fazer o governo gastar menos do que arrecada), reforma da Previdência, geração de empregos, investimentos em infraestrutura, privatizações, ações na segurança pública. 

Quando estiver sozinho na cabine de votação neste domingo (28), o eleitor deve estar consciente que vai escolher um candidato não “para ganhar do outro”, mas para comandar o país pelos próximos quatro anos — ao menos em tese, já que dois presidentes saíram do cargo após processos de impeachment. 

A partir de segunda-feira, o vencedor terá que encarar o mundo real, não o mundo da campanha eleitoral e suas bravatas, fake news e marquetagens. Será o presidente de todos os brasileiros e terá que apresentar soluções para problemas verdadeiros —o país como ele é, não como se imagina que ele seja.

 

Déficit fiscal
Desde 2014, o governo federal vem fechando suas contas no negativo, gasta mais do que arrecada. A estimativa é que termine 2018 com um rombo de R$ 148 bilhões e a atual equipe econômica prevê um déficit fiscal de R$ 139 bilhões em 2019. Assim, o próximo presidente deve adotar medidas efetivas para, ao mesmo tempo, reduzir despesas e aumentar a arrecadação. A grande questão é: como fará isso? Aumentando impostos? De quem? Revendo isenções fiscais? De quais segmentos econômicos? Vai cortar gastos em que áreas? Como cortar privilégios sem desrespeitar “direitos adquiridos”?

 

Previdência
Apesar de haver controvérsias sobre o tamanho do rombo na Previdência Social (há até quem garanta que ela não é deficitária), o ponto pacífico é que o atual sistema brasileiro precisa ser revisto, sob pena de que muitos dos atuais trabalhadores não recebam benefício quando se aposentarem. 

O número mais aceito é de que o déficit anual na Previdência é de aproximadamente R$ 268,8 bilhões. O Brasil tem cerca de 20 milhões de pessoas aposentadas após trabalharem na iniciativa privada, que recebem um benefício de em média R$ 1,75 mil por mês. Mas cerca de 66% ganham apenas um salário mínimo. 

Já no setor público civil são 630 mil inativos (entre aposentados e pensionistas), que ganham em média R$ 10,4 mil. Este grupo gerou um déficit em 2017 de R$ 45 bilhões. Nas Forças Armadas, são 630 mil beneficiários (militares da reserva, viúvas e filhas), que recebem em média R$ 11 mil —provocam um rombo de R$ 43,3 bilhões. A estimativa é que, se nada for feito, os gastos do INSS em 2060 vão equivaler a 17,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Portanto, o próximo presidente precisa conseguir aprovar uma reforma que garanta o equilíbrio financeiro do sistema, sem comprometer o pagamento dos atuais beneficiários. Será preciso corrigir distorções e acabar com privilégios. Conseguirá?

 

Investimentos
Um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) indica que há 12 mil obras paradas no Brasil, a grande maioria por falta de recursos. São projetos de saneamento básico (670), creches (400), unidades de saúde (192), corredores de ônibus (38), rodovias (28), ferrovias (8), sem falar em usinas de energia elétrica, portos e aeroportos. O futuro presidente deve sinalizar com respostas rápidas para a retomada destes investimentos. Recursos públicos? De onde sairá o dinheiro? Concessões ou parcerias com a iniciativa privada? Em que modelo?

 

Privatizações
Qual o tamanho que o estado deve ter? Quais empresas públicas serão vendidas, e por qual valor? Como ficam setores estratégicos, que envolvem a soberania nacional, como o de petróleo e gás? E segmentos com caráter social, como a entrega de correspondências, que em muitos casos a operação é deficitária (uma empresa privada não se interessa em realizar entregas para ribeirinhos no Rio Amazonas ou no profundo sertão nordestino, pois não há viabilidade comercial). 

 

Reforma tributária
O sistema brasileiro atual penaliza quem ganha menos e privilegia quem ganha mais. Um exemplo gritante: quem possui um automóvel de passeio usado paga IPVA; já o proprietário de um jatinho, helicóptero ou lancha não paga nenhum tributo sobre a propriedade do veículo. Além disso, no Brasil o foco é tributar o consumo, o que penaliza as camadas mais baixas e ainda gera margens à bi ou mesmo multi-tributação. Outro aspecto é a política de desonerações fiscais, que muitas vezes beneficiam segmentos que não precisariam de incentivo. Os dois candidatos já sinalizaram que pretendem isentar quem ganha até cinco salários mínimos de pegar o Imposto de Renda. De onde sairá o dinheiro para compensar esta renúncia fiscal, na já combalida situação financeira dos cofres federais?

 

Pacto federativo
A cada ano que passa, estados e municípios assumem mais responsabilidades sobre serviços públicos, mas a maior parte dos impostos e tributos arrecadados são encaminhados ao governo federal e não retornam — A União fica com 57% do total arrecadado no país, os estados com 25% os municípios com 18%. O próximo presidente vai rever esta distribuição de recursos? Como ela será feita? E como compensará a redução de recursos federais nas já abaladas contas públicas?

 

Segurança pública
Reduzir a maioridade penal e permitir que o cidadão porte armas não são medidas que ataquem o cerne da questão. O que próximo presidente fará para ajudar estados e municípios no combate à criminalidade? Quais os planos para agir contra o crime organizado? O que fará para melhorar o controle das fronteiras, para coibir o tráfico de drogas, armas e o contrabando?

 

Congresso Nacional
A grande maioria das decisões do próximo presidente deverão ser aprovadas pelo Poder Legislativo. Significa, portanto, negociar com deputados federais e senadores. Terá que convencer e também fazer concessões. Como aprovar os projetos no Congresso Nacional, sem recorrer às práticas reveladas nos escândalos do Mensalão e Petrolão? E muito menos cogitar medidas autoritárias experimentadas num passado não muito distante, com resultados catastróficos.