Comportamento

Nó na alma

16/02/2019

Além das dificuldades normais do dia a dia, os acontecimentos deste início de ano parecem ter deixado a vida mais pesada. Rompimento de barragem em Brumadinho, enchente no Rio de Janeiro, incêndio no centro de treinamento do Flamengo, a queda de um helicóptero que levou a vida do jornalista Ricardo Boechat…

 

Apesar de a maioria das pessoas não terem relação direta com as vítimas fatais de todas estas tragédias, o sentimento é de perda — como se tivesse sido uma pessoa da família ou amiga. Em maior ou menor grau, e frequên­cias variadas, percebe-se no semblante de cada um traços de uma expressão meio que inexplicável  uma mistura de vazio, tristeza, angústia, desalento, resignação e revolta.

 

A doutora em Psicologia Social Gizela Monteiro explica que as pessoas ficam abaladas por se identificarem com a situação e que, por mais trágica que ela seja, é possível extrair ensinamentos positivos. Entre eles, valorizar o tempo presente e desenvolver a resiliência, isto é, a capacidade de superar adversidades.

 

A tragédia sempre pode piorar


Foto: Reprodução

Além de trágica por si só, a queda do helicóptero que matou o jornalista Ricardo Boechat e o piloto Ronaldo Quatrucci ganhou  contornos mais dramáticos após a disseminação de uma fotografia mostrando a vendedora Leiliane Rafael da Silva tentando resgatar o motorista do caminhão envolvido no acidente, enquanto um bando de homens se preocupa apenas em registrar a cena com celulares, em vez de ajudarem a salvar a vida da vítima. Para a psicóloga Gizela Monteiro, a situação ilustra bem o momento em que vivemos, que é marcado pela importância excessiva às redes sociais e individualismo exagerado. “Para essas pessoas, não importa salvar a vida de um desconhecido, mas garantir um bom registro. E isso é trágico, pois se a pessoa reage assim em uma situação extrema, imagina como faz em seus pequenos atos do dia a dia”.

 

Por que as pessoas ficam tão abaladas com tragédias que não envolvem pessoas de sua relação direta?
Gizela Monteiro –
O abalo se dá por identificação. Imaginamos como ficaríamos como se a tragédia fosse conosco, envolvesse pessoas das nossas relações. O abalo se intensifica quando são situações coletivas e inesperadas, que mudam a vida de um grupo maior de pessoas de forma significativa. A comoção coletiva tende a potencializar a experiência emocional.

 

É possível tirar algum ensinamento positivo de situações como essa, do ponto de vista emocional?
Gizela Monteiro –
Sim! Primeiro de tudo, a fragilidade da vida. Estamos aqui, se cai um helicóptero acaba a vida. Então, é importante pensar o que é importante, quais as coisas que eu dou valor, de que forma eu quero viver o tempo que tenho aqui. Além disso, quanto mais as pessoas puderem vivenciar essas emoções, mais aprendem a conviver e suportar as adversidades. É como se constituíssem um “calo” emocional que as permitissem, a cada nova experiência, suportar melhor o sofrimento. Raiva, negação, tristeza e revolta são sentimentos comuns nessas situações que acabam sendo experimentados sem que tenhamos escolha. No entanto, podemos pensar sobre eles, sobre as circunstâncias que os provocaram, como nos atingiram e aumentarmos a compreensão sobre nossa vida mental. 

 

O que fazer para não deixar que este estado de espírito abata a pessoa e atrapalhe que ela leve a sua vida? Há quem fale em “resiliência”, mas como isso funciona na prática?
Gizela Monteiro –
O quanto as pessoas ficam abatidas pelos eventos inesperados depende da condição de cada um, do quanto já tem familiaridade com sofrimento, qual o tamanho do seu “calo” emocional. Essas situações são horrorosas, trágicas, mas permitem a gente conviver com o sofrimento. O sofrimento faz parte da vida. A resiliência é a capacidade de enfrentar as adversidades e de manter a saúde mental. O desenvolvimento da resiliência se dá por um conjunto de fatores, entre eles experiência anterior. Alguns pais pensam que devem proteger os filhos de toda e qualquer contrariedade. Vejo pais preocupadíssimos para que o filho não sofra de jeito algum, que não seja contrariado nunca, e isso é ir na contramão da formação do preparo para enfrentar adversidades: dor, sofrimento, perda. Se perdeu o jogo, perdeu. Outro dia você treina mais e tenta ganhar. Reputo este excesso de medicalização da juventude a um despreparo emocional em enfrentar as coisas. Além de ser impossível, é uma conduta que impede que o filho vivencie e aprenda a conviver com a dor. Ou seja, é o oposto que se deve fazer para desenvolver a resiliência. A Psicologia estuda cada vez mais este assunto, levando em conta a hereditariedade, o ambiente em que a gente vive, a tradição familiar e a personalidade de cada um. Tenta-se compreender como a gente poderia estimular e desenvolver, características como determinação, paciência e perseverança.

 

Foto: Getty Images