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Resenha da semana: O Bar Luva Dourada

27/07/2019

É curioso o fascínio que, tanto o cinema quanto o público, tem em relação a histórias de serial killer. O que leva pessoas aparentemente normais a cometerem crimes bárbaros, contra pessoas totalmente desconhecidas? O Bar Luva Dourada mostra um específico período na vida de Fritz Honka, homem que assassinou brutalmente 4 mulheres em Hamburgo, Alemanha, nos anos 70. O diretor Fatih Akin não estava interessado em mostrar a infância de Fritz, seus problemas ou traumas familiares. Aqui, ele está mais interessado em mostrar os horrores da degradação de um ser humano, já preparando o público logo em sua primeira cena. E digo isso, porque talvez algumas pessoas sairão do cinema pela cena intensa e grotesca, mas também espetacular, onde você conhece o modus operandi do protagonista, o que faz sentir uma repulsa e ódio muito grande por ele. É complicado classificar este filme, uma vez que ele cria momentos cômicos, aterrorizantes e dramáticos dentro de sua narrativa. É assim que o diretor consegue fugir dos clichês do gênero, não tentando justificar suas atitudes ou torná-lo um ser totalmente desumano. E é trazendo um equilíbrio entre estes dois pontos, que o diretor consegue alcançar sucesso, mesmo que seja mediano.

O filme se passa na década de 70, e apresenta os habitantes da cidade de Hamburgo sofrendo quando os jornais começam a noticiar o desaparecimento sucessivo de vários cidadãos seguindo um padrão específico. Começa então uma das mais complexas investigações de assassinatos em série que o local já havia presenciado até o momento. Eu já conhecia alguns trabalhos anteriores de Fatih Akin, diretor alemão com descendência turca. Seus filmes são violentos, feitos para chocar o espectador, focados em personagens que vivem à margem da sociedade e abordando questões culturais e exclusão social, mas aqui ele vai além. Tudo no filme tem um forte aspecto de podridão, seja pelo seu protagonista e os personagens que fazem parte de seu mundo ou pelos ambientes que estas figuras frequentam, onde é possível quase sentir o cheiro que estes lugares emanam. Akin teve um grande cuidado em balancear o tom sombrio e cruel com alguns toques mais leves para fazer o público respirar ao passo que explora uma violência crua nas cenas, reproduzidas de maneira bem fiel. 

Baseado no livro de mesmo nome, o roteiro tenta não justificar as ações de seu protagonista mas se preocupa em demonstrar certa dificuldade nelas, talvez tentando mostrar um conflito interno nele e nos mostra, que talvez sem a bebida, Fritz pudesse ser uma pessoa "normal". O texto, que tem como cenário o bar do título, é repleto de figuras grotescas e que vivem na mais completa ausência de amor e carinho em um ambiente tão opressor, imundo e claustrofóbico, que acaba se tornando um elemento da tragédia social daqueles seres humanos.

Tudo que envolve o quesito técnico deve ser discutido, começando pelo design de produção e maquiagem que proporciona nojo ao público. O apartamento de Fritz é uma das coisas mais asquerosas que você já deve ter visto no cinema, a fotografia é suja, fria e colada nos personagens, a trilha sonora é inquietante e a montagem e edição causam desconforto, pelo fato de acompanharmos uma figura tão horrenda por ambientes sufocantes.

Aliado a isso, temos a hipnótica atuação central de Jonas Dassler, que debaixo de quilos de maquiagem, consegue trazer com naturalidade o comportamento violento de seu personagem, oscilando brilhantemente entre assustador e uma pessoa patética. Seu trabalho é impecável, seja com o olhar ou pelo fantástico trabalho corporal e de voz que fazem o público embarcar em seu universo sujo e aterrorizante.

O Bar da Luva Dourada é um filme para poucos e trará sentimentos distintos para quem conseguir ficar até o final de sua projeção. Minha dica é procurar pelos filmes anteriores deste talentoso cineasta e se preparar antes de se aventurar neste pesadelo. Para aqueles mais resistentes e acostumados com um cinema mais extremo, devem se arriscar pois além de ser um filme de terror, é um retrato brutal sobre exclusão social e degradação humana.

Curiosidades: O Bar da Luva Dourada (2019) tem sua história baseada no romance alemão de mesmo nome (Der goldene Handschuh), escrito pelo autor Heinz Strunk, lançado em 2016. 
 

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