Gente que faz

O ponta-esquerda de ouro

02/11/2019

Não demorou muito tempo. Aos cinco anos de idade José Macia, conhecido como Pepe, já sabia que queria ser jogador de futebol. Apesar de seu pai não levar muito a sério a carreira que começava no esporte amador, tinha que concordar com o que a maioria comentava: o chute da canhota forte e singular de Pepe ainda daria o que falar.

 

E não deu outra. Aos 19 anos entrou para o profissional de um dos maiores clubes do país. Pepe tornou-se ponta-esquerda do Santos Futebol Clube em uma época que o time estava há vinte anos sem títulos. Mas ele chegou. Não por coincidência, o gol do título veio da canhota de Pepe. 2 a 1 em cima do Taubaté e o jovem promissor começava a escrever a sua história no futebol profissional consagrando a equipe como campeã do Campeonato Paulista de 1955.

Futebol amador

O “Canhão da Vila”, apelido que conquistou por sua potência no chute com a perna esquerda, nasceu na Rua João Pessoa, localizada no Centro de Santos. No mesmo local, 23 anos antes, a equipe que defendeu por 15 anos era fundada. Em mais um acaso que parece do destino, no ano de seu nascimento o Alvinegro conquistava pela primeira vez o campeonato paulista.

 

Quando tinha 10 anos, mudou-se com a família para São Vicente após o pai abrir uma marcenaria. Inquieto, logo procurou onde fazer aquilo que mais amava. Ingressou nas equipes amadoras do Vila Melo, Comercial e depois no Continental, e aos 16 anos já estava no juvenil do Santos, conhecido hoje como “Sub-16”.

 

15 anos de Vila Belmiro

 

De 1954 a 1969 não poupou glórias para o Peixe. Foram 750 jogos com 405 gols marcados. “Sou a figura humana que mais marcou gol no Santos”. Para ele, que sempre afirma aos risos, o Rei do Futebol, Pelé, que conquistou o marco de mais de 1.000 gols, é um extraterreste e por isso não pode ser considerado o artilheiro do clube.

 

Em seu histórico como atleta santista carrega nada mais nada menos do que 2 Copas Intercontinentais; 1 Recopa dos Campeões Intercontinental; 2 Copas Libertadores da América; 1 Supercopa Sul-Americana dos Campeões Intercontinentais; 6 Campeonatos Brasileiros; 4 Torneios Rio-São Paulo e 11 Paulistas.

 

“Na época em que eu jogava era conhecido como o “Menino da Ouro da Vila”, hoje já não sou tão menino assim, mas o carinho dos torcedores por tudo que já conquistei continua, para mim, isso é muito gratificante”, relata.

 

Segundo o ex-atleta, uma das razões para tal feito é que a equipe santista foi a única que trabalhou como jogador. “Tive muitas oportunidades, mas dizia aos diretores que não tinha interesse em sair e eles queriam ficar comigo. Sempre fui muito valorizado. Além da marca excepcional de gols que fiz, também fui muito feliz lá”.

 

Seleção brasileira

O jovem, que desde a sua infância já era promissor de defender a seleção, promoveu o feito no início da juventude. Aos 23 anos vestiu a camisa do Brasil na Copa do Mundo de 1958 e também quatro anos depois, na de 1962.

 

Apesar da honrosa convocação, praticamente não jogou as partidas oficiais. No primeiro campeonato sofreu uma lesão no tornozelo. Até o momento, havia conseguido participar de dois amistosos. Em um deles, marcou gol. Em 1962, o caso foi semelhante: sofreu contusão e não pôde jogar em Santiago, no Chile.

 

“Diferente de hoje, não podia trocar de jogador. Eu continuei lá. No total, defendi a seleção em 40 jogos e marquei 22 gols”, relembra. Os números incluem a Taça do Atlântico, a Copa Rocca, Taça Bernardo O’Higgins e Taça Oswaldo Cruz.

 

De aluno a professor

Consolidado pelo amor da única equipe brasileira que defendeu, assim que se aposentou da carreira de jogador, iniciou como treinador na mesma equipe. “Os diretores do Santos queriam ficar comigo, disseram que eu seria bom e que revelaria jogadores para a equipe. A ideia era que eu não saísse mais de lá, mas peguei gosto pela coisa e fui para outros clubes depois. Não poderia ficar vinte anos em um só”.

 

Treinou equipes como Fortaleza, São Paulo, Inter de Limeira e Atlético Paranaense. Fora do país comandou a japonesa Verdy Kawasaki, onde conquistou dois prêmios como melhor treinador, e também carrega passagens pelas equipes do Al-Sadd e Al-Ahli.

 

Sem muitas surpresas, o eterno Canhão da Vila não fez menos do que uma produtiva carreira como treinador, mas confessa que não foi fácil. “Notei que há maior pressão com os técnicos. Se em três ou quatro jogos a equipe não faz gols ou perde, a situação desanda e chegam a pedir a saída”. Apesar disso, assume que o ato faz parte. Há poucas coisas que provoquem uma avalanche de sentimentos no ser humano como o futebol.

 

O então professor defende que sabia o que estava fazendo e tinha mérito por isso. Grande parte pelo o que fez com a bola quando estava dentro das quatro linhas. “Eu tinha uma “ressalva”. Por ter sido um bom jogador, quem eu treinava sabia que quem estava comandando já esteve no lugar deles, e mais, na seleção brasileira. Então havia um respeito”. Pepe é um dos poucos jogadores que nunca foi expulso de campo. Pela disciplina, conquistou o Prêmio Belfort Duarte em 1996, condecorado a atletas de futebol pela CBF, Confederação Brasileira de Futebol.

 

Nasceu para o sucesso

Atualmente, analisa o futebol brasileiro bem organizado e com mais oportunidades por haver patrocinadores. Como parte de uma história que nunca será apagada, Pepe segue presente no Santos e na vida de muitos torcedores e jovens garotos que se espelham nele e sonham em se tornar atletas profissionais.

 

Vez ou outra, a equipe convoca o Canhão da Vila para ir às escolas infantis. “Sempre aconselho a capricharem! O futebol é uma profissão maravilhosa que você faz o que gosta, viaja e ganha bem, mas não deixem de estudar. Não são todos que têm condições de se tornar jogadores. É ótimo fazer isso e ser feliz em outras profissões também”. 

 

O eterno “menino do vila” se considera realizado. “Sou casado, tenho quatro filhos maravilhosos e seis lindos netos”. Divide a maior parte do tempo entre a família e o seu novo emprego de “OldTuber”, na plataforma do Youtube, onde conta sobre seus feitos e fatos interessantes no futebol. A experiência é nova e Pepe ainda está aprendendo a lidar, mas não precisa esperar muito para ter certeza de que ali ele fará sucesso também.

 

Foto Gabriel Soares