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Sistema universal e essencial

09/11/2019

Com a perna sangrando e quebrada, após ficar presa no vão entre o metrô e plataforma, a mulher de 45 anos suplicou às pessoas que lhe prestaram o primeiro socorro: “Por favor, não chamem uma ambulância!”. E explicou: “Vocês sabem quanto custa uma ambulância?”.

 

São casos como este, ocorrido na cidade de Boston (EUA), em julho do ano passado, que precisam ser lembrados toda vez que se discute o atendimento de saúde. Paraíso da livre iniciativa, do liberalismo e dos serviços privados, os Estados Unidos não oferecem uma perspectiva muito alentadora para a pessoa que precisa de ajuda médica. E, por consequência, enfraquece os argumentos de quem critica a universalização do atendimento e políticas públicas como o Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro.

 

Evidentemente, os serviços gratuitos possuem problemas — e não são poucos. Mas os avanços conseguidos no Brasil e os resultados de modelos semelhantes de outros países demonstram que atacar o atendimento universal e público é um retorno à barbárie.

 

Falta de recursos e gestão

Ao mesmo tempo em que se apresenta como um modelo mais justo, à medida que em busca oferecer atendimento gratuito a todos, o SUS apresenta problemas graves e crônicos. Os principais, dos quais resultam praticamente todos os demais, são a falta de recursos e problemas de gestão. 

 

Falta de remédios, leitos, médicos, repasse defasado de recursos para estados e municípios, baixa remuneração de profissionais… A procura por serviços públicos aumenta mais do que os recursos destinados ao segmento — o orçamento do Ministério da Saúde para 2019 é de R$ 129,8 bilhões.

 

A situação piorou ainda mais com o estabelecimento do Teto dos Gastos, na gestão do então presidente Michel Temer, que prevê um limite de investimentos no setor. 

 

Além de a verba ser insuficiente, ela, muitas vezes, é mal aplicada. A começar pelo sistema tributário brasileiro, que centraliza os recursos em Brasília para depois serem repassados a estados municípios.

 

Como se estivesse em um enorme encanamento cheio de vazamentos, o dinheiro vai ficando pelo meio do caminho, por conta da burocracia, má gerência (distribuição exclusivamente por critérios políticos ou pressão de lobbies empresariais) e, claro, a corrupção.

 

Serviços de Primeiro Mundo

Quando se fala em atendimento público de saúde, é natural que se pense logo em problemas: filas, falta de medicamentos, equipamentos quebrados… No entanto, o que aparenta ser uma contradição, o SUS oferece atendimentos extremamente especializados, com profissionais altamente qualificados e equipamentos ultramodernos. Apesar de todas as dificuldades, o sistema brasileiro apresenta resultados animadores, em áreas que muitos brasileiros desconhecem. 

 

– Transplantes: Uma das cirurgias mais delicadas da Medicina, custa em torno de R$ 50 mil. Os procedimentos são realizados nos melhores complexos hospitalares do Brasil, públicos ou privados. 
– Quimioterapia e radioterapia: Cada sessão pode chegar a R$ 1,7 mil. O tratamento completo de um câncer de mama pode superar os R$ 93 mil.
– Medicamentos gratuitos: Um tratamento de Aids chegou a custar US$ 24 mil por paciente (1996), mas vem diminuindo com quebra de patentes e a criação de remédios mais eficazes e baratos. Ainda assim, continuam mais caros do que o de outras terapias.
– Programas de vacinação: São oferecidas doses gratuitamente que em clínicas particulares custariam R$ 120 (gripe), R$ 200 (HPV), R$ 300 (sarampo) e até R$ 800 (herpes zoster).
– As ações de Vigilância Sanitária, no combate a pragas e fiscalização de estabelecimentos comerciais, inclusive nos restaurantes da moda.
– Saúde da Família: Equipes que realizam o trabalho preventivo, principalmente nas periferias, que ajudam as pessoas a evitar que fiquem doentes.
– Serviço de Urgência/emergência (SAMU): Seja o acidente que for, o resgate é feito gratuitamente — o que a mulher de 45 anos que se machucou no metrô de Boston não teve.

 

Como funciona em outros países

 

Estados Unidos
Não há atendimento público. Só é atendido o cidadão que possuir um plano de saúde privado ou se pagar por procedimento. Existe o Medicaid, um plano custeado pelo governo para pessoas consideradas pobres, mas ele atende apenas metade da população nesta situação (renda de aproximadamente US$ 4 mil por ano). Há também o Medicare, seguro destinado a idosos custeado em parte pelo governo.

 

Holanda
Todo cidadão é obrigado a contratar um plano de saúde. Com exceção dos casos de emergência, o primeiro atendimento deve ser feito por um “médico de família”, que vai definir se é preciso enviar o caso a um especialista ou hospital. 

 

Reino Unido
Criado em 1948, o National Health System (NHS) é universal e gratuito, financiado por impostos. Os alicerces são investimento na saúde preventiva e os atendimentos nas General Practitioner Surgery, as GP, uma espécie de UPA britânica. 83% dos atendimentos são feitos pela rede pública. Mesmo quem possui plano privado deve passar primeiramente por uma GP para posteriormente ser atendido pelo médico particular.

 

Canadá
Sistema de saúde é totalmente financiado pelo poder público. Os planos de saúde privados existem para cobrir serviços não prestados pelo governo, como oftalmologia, odontologia, atendimento residencial e quartos privados em hospitais.

 

França
Todos os cidadãos são obrigados a ter o Seguro Obrigatório de Saúde (SHI). O paciente tem liberdade para escolher o médico e instituição de preferência. O seguro cobre a maioria dos serviços médicos e hospitalares, incluindo odontologia e medicamentos, mas em alguns procedimentos é preciso pagar uma parcela do serviço (no máximo 25%). Existem planos de saúde privados e complementares, que oferecem serviços que o SHI não cobre.

 

Alemanha
É obrigatório ter um seguro de saúde, que pode ser o plano público ou privado (que oferece mais atendimentos e com mais qualidade). O paciente escolhe qual o médico ou hospital. O governo paga o seguro dos cidadãos considerados socialmente vulneráveis. 

 

Suiça
Não há serviço público. Todo cidadão paga pelo atendimento. Há planos de saúde que incluem um sistema de bônus (quanto menos usar, menor o valor).

 

México
O atendimento é dividido em três tipos: a Seguridade Social, que atende os trabalhadores privados (Instituto Mexicano del Seguro Social, 46% da população) e públicos (Instituto de Seguridad y Servicios Sociales de los Trabajadores del Estado, 6%); Setor Privado, 10% dos mexicanos; e o Seguro Popular, que atende pobres e trabalhadores informais – 40% dos mexicanos. 

 

África do Sul
Um dos países mais desiguais do mundo (competindo com o Brasil), a diferença entre pobres e ricos se evidencia no atendimento de saúde. O país possui alguns dos piores índices do planeta e, ao mesmo tempo, hospitais privados de excelente qualidade. Boa parte da população recorre a curandeiros tradicionais. O sistema público, que se caracteriza por mau atendimento e longas filas, é custeado pelo governo e os trabalhadores formais. Cerca de 18% da população conta com planos privados.