Criar e Construir

Arquitetura transformando a sociedade

07/03/2020

Nesta coluna, procuramos explorar conceitos que possam significar uma transformação no presente ou no futuro próximo. Visões novas e diferentes em arquitetura, urbanismo, design de interiores, produtos que permitam realmente mudar o relacionamento das pessoas com o ambiente que as cerca. Podem ser pequenas soluções ou grandes projetos, não importa, desde que contenham esse potencial transformador.

Assim é com o tema desta edição, um projeto arquitetônico que muda a vida de muita gente, com premiação internacional e nascido bem no coração do Brasil. É o “Moradias infantis”, lá de Formoso do Araguaia, em Tocantins. Venceu nada menos que o RIBA 2018, do Royal Institute of British Architects, uma das mais rigorosas premiações do setor.

Implantado em 25,7 mil m² da Fazenda Canuanã, uma escola internato (apoiada pela Fundação Bradesco) que desde 1973 oferece educação infantil em comunidades rurais de todo o Brasil, o complexo Moradias Infantis foi projetado pelo arquiteto Marcelo Rosenbaum com o grupo Aleph Zero, dos colegas Gustavo Utrabo e Pedro Duschenes. Começou a ser desenvolvido em 2016 e tem acomodação para 540 crianças de 13 a 18 anos.

Segundo Ben Derbyshire, presidente do RIBA, esse projeto "oferece um ambiente excepcional projetado para melhorar a vida e o bem-estar das crianças da escola. Isso ilustra o valor imensurável de um bom design educacional".

Incomparável – Não cometerei a deselegância de comparar esse complexo com algumas construções escolares encontráveis na Baixada Santista. Fico apenas com as palavras dos projetistas: “Foi uma alegria ver as próprias crianças construindo o prédio e adaptando o espaço para atender às suas necessidades. Queríamos ser prescritivos sem ser arrogantes, ser solidários sem ser paternalistas, estimular o crescimento e o desenvolvimento sem cobri-los”.

Os três arquitetos visitaram as aldeias indígenas próximas, as casas dos avós e pais das crianças, para observarem suas características, como as pessoas se relacionavam com as casas e os conflitos, como relata Pedro Duschenes: “Descobrimos uma riqueza cultural muito grande. Tínhamos que usar esses saberes populares, aprender com eles, traduzi-los no projeto. A identificação das reais necessidades e desejos dos estudantes criou um senso de pertencimento, ampliou o entendimento do espaço para além de um ambiente de aprendizado, transformando-o num lar”.

Estrutura – São duas vilas idênticas (masculina e feminina), de 45 dormitórios (para seis alunos cada um), seguindo a estrutura preexistente na fazenda, ao redor de três pátios amplos, abertos e sombreados, contendo áreas comuns flexíveis no térreo e nos mezaninos, em que as crianças podem relaxar e brincar.

“O espaço facilita a interação entre o público e o privado, e a socialização entre o coletivo, a natureza e o indivíduo, reconectando crianças e jovens às suas origens e ao ecossistema circundante, tornando a escola uma referência de futuro”, diz Marcelo Rosenbaum.

Exemplo que reinventa a arquitetura tradicional brasileira, o projeto usou recursos e técnicas locais (outro fator a motivar maior envolvimento com a comunidade), empregando madeira laminada colada (MLC) de eucalipto, rentável e ambientalmente sustentável, blocos de terra feitos à mão (preferidos pelas propriedades térmicas, técnicas e estéticas) e trançados de palha.

Um dos desafios foi equacionar a sensação térmica elevada, acima dos 40º C: um grande telhado de copa, em formato de dossel suspenso, com vigas e colunas de madeira laminada cruzada, proporciona ambiente aconchegante e fresco (sem precisar de condicionadores de ar!), formando um espaço intermediário entre o interior e o exterior, como se fosse uma grande varanda. Os beirais de 4 metros do telhado protegem contra a radiação solar e o pé-direito de 8 metros facilita a ventilação natural.

A integração com o projeto paisagístico ajuda a reconectar as crianças com a biodiversidade ali encontrada. A pré-fabricação de todas as peças de madeira permitiu rápida instalação da estrutura em local de acesso difícil, reduzindo a quantidade de resíduos na obra. Custos bem menores, portanto.

Fico por aqui, para não cansar o leitor. Mais detalhes, nas páginas http://www.itaconstrutora.com.br/portfolio/fundacao-bradesco/, https://www.galeriadaarquitetura.com.br/projeto/aleph-zero_/moradias-infantis/4647 e https://www.archdaily.com.br/br/879961/moradias-infantis-rosenbaum-r-plus-aleph-zero. Em inglês: https://www.architecture.com/.
     

 

 

 

 


Vista geral, pátios internos, mezanino, uma sala de reuniões e aprendizado

Fotos: Leonardo Finotti/http://www.itaconstrutora.com.br/