Notícias

O dia em que a terra parou

19/03/2020

Como num espirro, tudo mudou.

De repente os muros subiram. As fronteiras fecharam e ninguém reclamou.

Não era retaliação. Era uma necessidade. Eu nem reclamava da sua, já havia fechado a minha.

De repente o inimigo virou outro.

A terceira guerra mundial está meio diferente. Agora é de todo mundo.

Contra um inimigo evidentemente invisível.

Que quando aparece, as máscaras caem.

 

Mesmo por baixo das cirúrgicas, em entrevistas coletivas, elas caem.

De repente a gente percebeu que precisava se distanciar.

 

E achou isso ruim.

 

Oras, bolas. Logo a gente, que se sentava à mesa e nem sequer conversava.

 

Que passava dias sem ver os avós e reclamava que a mãe sempre queria outro beijo antes de ir embora.

Hoje fez falta o beijo na chegada.

 

O cumprimento ao colega de trabalho, o carinho na namorada, o abraço de feliz aniversário.

O automático tinha tomado conta. E a gente nem tinha se dado conta.

Realmente a gente só reclama quando é obrigado a algo, né?

A gente precisou ficar trancado em casa para conhecer o vizinho cantando da janela.

Precisou ver o mercadinho fechando, para notar que nunca comprou lá. Aquele do senhor que
sempre acena quando passamos com o cachorro.

A gente precisou deixar de passear para perceber como uma voltinha na rua pode ser a melhor
hora do dia mesmo.

Foi preciso um ser invisível para a gente enxergar o surto de egoísmo que vivíamos.

E como num espirro, os parques perderam a diversão. As cidades que não dormiam, se recolheram.

De repente não interessa mais se você tem dinheiro, posição social ou cargo em alto escalão
de um governo.

Se está do outro lado do mundo ou aqui, do outro lado do bairro.

Já não interessa se você é de esquerda ou de direita. Destro ou canhoto, Fla ou Flu. Branco ou

preto. Se você é panela ou colher. Uma hora vai ter que bater.

Na verdade, nunca interessou. É que a gente só enxerga o que não dá pra ver, lembra?

A gente precisou se trancar em casa para ver o que está acontecendo lá fora.

Foi preciso entrar em casa para resolver o problema que criamos fora dela.

Seria o planeta nos dizendo “quanto menos fizerem melhor”?

Faria sentido. Talvez o vírus seja outro.

 

Foi preciso proibir dar as mãos a um irmão, para estendê-las ao resto do mundo.

Hoje punhos cerrados parecem ser cumprimentos mais afáveis.

Raul Seixas foi profético ao compor essa música que dá título ao texto.

Tem outra dele que serve bem pros dias de hoje: nunca se vence uma guerra lutando sozinho.

Até concordo, Raul. Mas esta é uma guerra diferente.

Esta é uma de todo mundo lutando junto. Mas sozinho.

No sofá. Cada um no seu.

 

Confira também o texto no instagram e compartilhe!