Comportamento

O direito de ir e vir não é absoluto, explica advogado

29/03/2020

ARTIGO

Direito à locomoção não é absoluto

 

Joaquim Fernandes*

 

Um dos princípios constitucionais mais conhecidos é o “direito de ir e vir”, a melhor expressão de liberdade do indivíduo frente ao Estado.

 

Todavia, acatando diretrizes internacionais em tempos de Covid-19, os estados e municípios adotaram a política de isolamento social, obrigando o indivíduo a ficar confinado em sua casa para evitar o colapso do sistema de Saúde. Deslocamentos pela rua, apenas aqueles necessários.

 

Recentes acontecimentos levantaram um questionamento: pode o Município impedir o indivíduo de ingressar na faixa de areia, sob o argumento de calamidade pública, determinante para a elaboração de decretos restritivos?

 

Entendo que sim. O direito à locomoção não é absoluto quando estão em debate outros direitos constitucionalmente assegurados, em especial em face de outras pessoas. O indivíduo em face à coletividade.

 

A lei federal 13.979/2020 dispõe que as medidas a serem adotadas por causa da pandemia, visando à proteção da coletividade, dentre elas o isolamento e quarentena, definições que estão previstas no Anexo ao Decreto 10.212/2020, que promulga o texto revisado do Regulamento Sanitário Internacional da Organização Mundial de Saúde (OMS).

 

Trazendo para o plano local, a Resolução 19/03 do Conselho de Desenvolvimento da Baixada Santista restringe o acesso à faixa de areia, incluindo barracas, cadeiras, guarda-sol e ambulantes. E a gestão de diversas praias foram repassadas pela União para prefeituras em face da Lei 13.240/2015.

 

Todas as normas mencionadas cuidam de privilegiar os interesses da coletividade, em detrimento aos direitos do indivíduo.

 

O direito à circulação também está assegurado no artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição, que sacramenta o direito a habeas corpus em favor daquele que tenha tal liberdade restringida, por ilegalidade ou abuso de poder.

 

As restrições impostas pelos prefeitos não se configuram ato ilegal ou de abuso (artigo 33 da Lei 13.869/19), eis que o impedimento de reunião poderá ser feito baseado em fonte normativa legítima.

 

Aliás, nesse sentido, o direito de reunião teve relativização no julgamento da Ação de Direta de Inconstitucionalidade 1969/DF, da Relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, com apontamento do ministro Celso de Mello.

 

Sem ranço político-ideológico, pessoas que pretendem descumprir as normas impostas neste momento suportam a tese do “eu” em primeiro lugar. Pensam: “às favas as determinações cientificas”.

 

O constitucionalista José Joaquim Gomes Canotilho afirma que “uma colisão autêntica de direitos fundamentais ocorre quando o exercício de um direito fundamental por parte do seu titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular”. Nem a ausência de definição de aglomeração retiraria do Poder Público o direito de dispersar tal reunião, porque um dos elementos seria a pluralidade de participantes, tornando a quantificação secundária e relativizada.

 

Ao afrontar a medida sanitária em vigor, é aplicável o artigo 267 do Código Penal, segundo o qual “causar epidemia mediante a propagação de germes patogênicos”, tanto na modalidade dolosa (mais grave) quanto na culposa (menos grave). Ou aquele que julgo mais adequado, que seria o artigo 268, que trata da infração-determinação do poder público, destinado a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa.

 

Portanto, correta a autoridade municipal de restringir o acesso aos bens públicos. Concluindo, Fique em casa!

 

*Joaquim Fernandes é advogado, membro do Conselho Penitenciário do Estado de São Paulo.