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Estudo mostra influência de idade e sexo no perfil clínico de pacientes de Covid-19

21/08/2020

A partir da análise de exames laboratoriais de quase 179 mil pessoas testadas para COVID-19 no Brasil, um grupo de pesquisadores identificou diferentes perfis clínicos da doença causada pelo coronavírus que são influenciados pelo sexo e pela idade do paciente. Daquele universo analisado, 33,2 mil tiveram diagnóstico confirmado de COVID-19.

 

Os resultados do estudo, apoiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), foram descritos em artigo disponível na plataforma medRxiv (em inglês), ainda sem revisão por outros pesquisadores. Segundo os autores, os achados podem servir de referência para profissionais de saúde que atuam no combate à pandemia.

 

“O vírus SARS-CoV-2 pode desencadear um amplo espectro de manifestações clínicas, variando de doença assintomática ou leve a doença grave e morte. Os parâmetros laboratoriais também variam muito de acordo com a idade e o sexo do paciente e, muitas vezes, os médicos têm dificuldade para interpretar os resultados dos exames e identificar uma alteração significativa. Esperamos que este trabalho possa ajudar nesse processo de avaliação”, diz à Agência Fapesp Helder Nakaya, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP).

 

De acordo com o pesquisador, o primeiro passo foi separar os diferentes grupos de pacientes a serem analisados considerando, principalmente, a idade, o sexo e o resultado do teste diagnóstico. Em seguida, foi necessário filtrar as informações em comum nos diversos centros médicos que alimentam o repositório – eliminando redundâncias e harmonizando dados discrepantes (nomenclaturas diferentes para um mesmo exame, por exemplo).

 

Após o processamento das informações em um só banco de dados harmonizados, uma série de análises foi feita para traçar o perfil laboratorial da COVID-19 nos diferentes grupos de pacientes e compará-lo com os controles (indivíduos submetidos aos mesmos exames, mas sem diagnóstico confirmado).

 

Para a maioria dos indivíduos da amostra, as informações sobre o desfecho do caso não estavam disponíveis, ou seja, não era possível saber se o paciente precisou ser internado, se morreu ou se teve somente sintomas leves e se recuperou. Porém, parte dos dados fornecidos pelo Hospital Sírio-Libanês foi identificada como sendo de pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Isso tornou possível investigar o perfil laboratorial dos doentes que necessitaram de cuidados intensivos, como ventilação mecânica, e compará-lo com o de pacientes não internados.

 

Doença sistêmica

Inicialmente considerada uma infecção de vias respiratórias, a COVID-19 tem se revelado uma doença sistêmica, que pode estar associada a distúrbios gastrointestinais, hepáticos, cardiovasculares e neurológicos, podendo evoluir para síndrome do desconforto respiratório agudo, falência de múltiplos órgãos e morte.

 

“Tais manifestações extrapulmonares estão associadas a alterações nos níveis circulantes de diversos parâmetros bioquímicos, como bilirrubina, ureia, creatinina, mioglobina e fatores de coagulação. E ainda pouco se sabe sobre a influência do sexo e da idade do paciente no padrão desses parâmetros”, explica o médico Bruno Andrade, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Salvador, na Bahia, e coautor do artigo.

 

Segundo Andrade, estudos observacionais – baseados na análise de internações e óbitos – indicam que indivíduos idosos e do sexo masculino são os que apresentam maior risco de evoluir para quadros graves. “Contudo, essa associação ainda carece de confirmação biológica e o mecanismo fisiopatológico ainda não foi totalmente esclarecido”, diz.

 

Nas análises descritas no artigo, a infecção pelo SARS-CoV-2 em indivíduos de 13 a 60 anos se mostrou associada a alteração em diversos parâmetros laboratoriais de maneira muito mais frequente em homens do que em mulheres. Em pessoas com mais de 60 anos, as alterações laboratoriais parecem ter afetado igualmente homens e mulheres.

 

Ao avaliar a contagem dos diversos tipos de leucócitos no sangue, os pesquisadores observaram que concentrações baixas de basófilos e de eosinófilos (células importantes para a imunidade antiviral) foram mais frequentes em idosos com COVID-19, independentemente do sexo. Os homens com diagnóstico confirmado da doença apresentaram as maiores concentrações de neutrófilos – que tendiam a aumentar ainda mais com a idade. De acordo com Andrade, valores altos na contagem de neutrófilos são um indicativo de inflamação sistêmica aguda.

 

Por fim, nos pacientes internados em UTI, o grupo notou alterações importantes em exames que avaliam o sistema de coagulação sanguínea (como d-dímero), contagem mais elevada de neutrófilos e maiores concentrações de marcadores de inflamação sistêmica (como a proteína C-reativa) e de dano celular e tecidual (como o lactato desidrogenase).