Comportamento

A crise do envelhecimento

25/03/2017
A crise do envelhecimento | Jornal da Orla
Muito se fala da crise existencial dos 30, 40 e até dos 50, cada qual com suas características. Mas ao completar 60 o indivíduo parece que perde a identidade e é simplesmente alocado em um grupo comum – o da terceira idade ou feliz, ou melhor ou o nome que se queira dar a esse período da vida que é usado como marco do início da etapa final da existência. E é aí que a ‘porca torce o rabo’.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estimam que, em 2050, os brasileiros com mais de 60 anos serão 66,5 milhões de pessoas – 30% da população. Hoje, a expectativa de vida, segundo o instituto, já é de 75 anos. Apesar dos números e projeções, vivemos em uma sociedade que cultua a juventude e olha com indiferença para seus velhos.

Corpo, sexualidade, memória, perdas, luto, depressão, tudo faz com que a velhice se torne um tema cercado de estigmas e por isto mesmo evitado. Para a psicóloga Maria Celia de Abreu, que estará em Santos neste sábado (25), às 17h, para lançar o livro “Velhice – uma nova paisagem”, da Editora Ágora, na Pinacoteca Benedicto Calixto, a fragilidade dessa condição humana ainda assusta. Ao longo do tempo, ideias preconcebidas foram ganhando espaço e aumentando os preconceitos.

A viagem da vida
Em seu livro, Maria Célia propõe que a vida passe a ser encarada como uma estrada que percorre diversas paisagens diferentes – nem melhores nem piores que as outras. “Cada vez que a estrada nos introduz em uma nova paisagem, precisamos descobrir a melhor maneira de transpô-la, de vencer obstáculos, e talvez o que já sabíamos no cenário anterior não nos sirva mais”, afirma a autora. Segundo ela, “a chave para fazer uma viagem alegre, produtiva e saudável pela estrada sem volta da vida está em ter muita flexibilidade para se adaptar a cada nova paisagem e tirar de cada uma delas o que de melhor possa nos proporcionar”.

O livro traz depoimentos de artistas famosos que já passaram dos 60 e fala das questões da memória, da sexualidade na velhice, do corpo do velho, de depressão e tristeza, de perdas e lutos e da importância de as pessoas reformularem os sentimentos e valores em relação aos idosos. Maria Célia é coordenadora do Ideac- Instituto para o Desenvolvimento Educacional, Artístico e Cientifico-, que tem como foco a psicologia do envelhecimento.

Cada fase tem seu charme e desconfortos
Talvez uma das coisas que mais aflige no envelhecimento é ter a clara dimensão da finitude da vida, embora, longe do espelho, possa manter o estado de espírito de ser um jovem promissor cheio de projetos e devaneios. É quase inevitável questionar o que se fez da vida, os sonhos deixados para trás, o que ainda se pode fazer. O tempo passou tão rápido, envelhecer é quase uma surpresa. O momento é de priorizar uso do tempo e, se for o caso, recomeçar ou iniciar algo novo.

No mundo atual, homens e mulheres ocupam uma grande parte da existência trabalhando para garantir o sustento da família, cuidando dos filhos, envolvidos em compromissos e cobranças. Quando finalmente chega a sonhada aposentadoria (pelo menos até esta geração de senhores sortudos), com filhos crescidos, a pessoa pensa em se voltar aos seus interesses, projetos, há pressa em viver, quase urgência. Afinal, há muito mais passado do que futuro pela frente. Não dá para adiar mais. A vontade é ser mais livre para aproveitar o tempo que ainda se tem.

É quando a velhice se apresenta como uma fase da vida interessante, com mais leveza e maturidade, quando as responsabilidades diminuem e a liberdade volta a crescer. Mas, para muitos, esta é uma fase que pode ficar complicada, quando os papéis se invertem e os filhos viram os cuidadores de pais já velhinhos e doentes. Uma situação que normalmente carrega o estresse de briga entre irmãos. E pode se agravar, caso os filhos adultos retornem ao ninho por necessidade financeira, trazendo netos consigo. Um quadro recorrente na crise econômica que vive o país.

Uma situação que pode levar o indivíduo a mergulhar na apatia e desânimo. A família, acostumada a ser atendida em suas requisições, não enxerga a necessidade desse membro quase idoso em dar seu voo solo pela vida. Como no apelo de Candeia na canção ‘Preciso em encontrar’: “Deixe-me ir, preciso andar. Vou por aí a procurar. Rir pra não chorar Quero assistir ao sol nascer. Ver as águas dos rios corre . Ouvir os pássaros cantar Eu quero nascer, quero viver”.

Sintomas dos 60
A geração atual chega aos 60 ainda produtiva, com saúde e sem planos de se entregar ao ócio. O que não é vacina contra a inquietação e a insatisfação persistente. Se for o caso, considere buscar ajuda profissional. Alguns sinais que algo não vai bem:

Tédio com o trabalho, pessoas e coisas que antes gostava.
Nostalgia, saudade dos “velhos tempos”.
 Desejo de voltar no tempo e cumprir metas não alcançadas.
Depressão
 Culpa pelos fracassos pessoais ou questionamento das escolhas feitas.
 Desejo de solidão ou de restringir o número de pessoas ao redor de si.
 Tentativa de parecer mais jovem. Obsessão com a aparência.
 Mudança no comportamento sexual – maior ou menor interesse.
 Desejo de aventura, de largar tudo e viver o que nunca viveu antes – sonhar acordado.
 Compulsão por alimentos, álcool ou drogas.
 Incerteza sobre o rumo da vida ou o que deseja.
 Descontrole com dinheiro.
Culpar o cônjuge por seus problemas e por se sentir “amarrado” ao relacionamento.