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Última página da Capítulo Primeiro

04/05/2019
Última página da Capítulo Primeiro | Jornal da Orla

A Capítulo Primeiro guarda mais do que um montante de livros. Entrar naquele cantinho do Gonzaga é como desbravar um caminho pela história. Mas até as melhores narrativas têm fim e um dos mais tradicionais sebos de Santos, que resistiu à ação do tempo, à feroz tecnologia, às transformações da cidade, sucumbiu a uma recessão que se arrasta há longos anos no país. No fim de maio, a Capítulo Primeiro encerra o seu ciclo de mais de duas décadas.

Encontrei o César Costa, sócio-proprietário do sebo, num sábado ensolarado, cercado pelos mais de 8 mil livros de seu acervo. “Em um país onde se lê pouco, livros são supérfluos”, disse ele fazendo uma análise da atual situação da economia brasileira. 

Fechar as portas não foi uma decisão fácil, mas Costa, que é aposentado do mercado financeiro, aparenta estar tranquilo. A primeira pessoa a saber da triste novidade foi a proprietária do imóvel onde está localizado o sebo, em cima do Restaurante Independência, que já não aumentava o aluguel do espaço tamanha confiança nos locatários. 


“Quando a Rosana (Sérgio de Sá, a outra proprietária e fundadora da Capítulo Primeiro) abriu o sebo, em 95, a economia do país estava em crescimento, era um outro momento. Mas, no geral, livro é caro no Brasil. Com a queda do poder aquisitivo da população, isso ficou mais acentuado nos últimos meses”, explicou enquanto vendia uma coletânea de obras de Philip Roth a um cliente fiel e amigo pela bagatela de R$ 80. 

Do acervo, com obras raras, entre elas, livros contemporâneos da Revolução de 32 e de Martins Fontes, César acredita que conseguirá vender uma grande quantidade pela metade do preço até o fim do mês. “O que sobrar irá para o sebo virtual do pai do Henrique (funcionário do local), que fica em São Vicente”.


Boa parte das vendas da Capítulo Primeiro são feitas pela internet. Mas nem mesmo a loja on-line que mantém sobreviverá, tanto por falta de espaço para guardar o acervo como pelos preços anunciados pelos concorrentes, cada vez mais baixos. “A internet tem custos de envio, papel, durex, etiquetas, além da porcentagem exigida pelo site. Não é interessante ganhar 0,90 centavos com a venda de um livro, por exemplo”.

Quando perguntei se o fechamento de livrarias e sebos pelo país pode ser creditado somente à crise econômica, César não se esquivou para responder. “Sim e não. A longo prazo, essa má vontade do Governo com a cultura e educação vai prejudicar o setor, até para a formação de novos leitores. Há uma visão anti-intelectual, obscurantista, que me envergonha. E eu falo isso como um conservador que sou”. 


Dos planos para a segunda aposentadoria, César só tem uma certeza: vão-se os livros, fica o amor pela literatura. “É um legado que trago dos meus pais, que insistiram na leitura. Não deixarei de ler nunca”.

Serviço:
Até o fim de maio é possível encontrar diversas obras, nacionais, internacionais, raras e em outros idiomas com 50% de desconto na Capítulo Primeiro, das 10h às 17h. O endereço é Av. Mal. Floriano Peixoto, 4, no Gonzaga. Tel.: 3284-5619. Os livros também estão cadastrados na www.estantevirtual.com.br/capitulo
 

 

Agradecimento:

Gabriel Soares – Fotografia