Gente que faz

Padre Chiquinho: “Amem e permitam que amem vocês”

07/09/2019
Manuelly Cardoso/Jornal da Orla

Aos 87 anos de idade, Padre Chiquinho é tudo o que se define por jovialidade. Nascido em Miracatu, no Vale do Ribeira, Francisco das Dores Leite explica que o seu bom humor e contentamento pela vida, com quase nove décadas de vivência, é algo “natural”. Na casa onde vivia com mais nove irmãos, alegria era o sobrenome. “É a marca da minha família”, descreve. A bondade também os acompanhava. Cresceu vendo o pai e a mãe ajudando e servindo a população com doações diárias de comidas, roupas e o que mais fosse necessário. Hoje, atua como Vigário Paroquial na Casa e na Igreja São José, e também celebra missas, entre outras atividades pastorais, em Santos e São Vicente.

O Monsenhor acredita que a vocação de sacerdócio foi consequência da experiência e do melhor que pôde abstrair do ensinamento do lar. “Em casa, quando pensávamos nisso de ‘o que quer ser quando crescer’ não vinha outra opção na cabeça”. Além do exemplo de dois irmãos que começaram a carreira de padre antes de Francisco, também carregou o exemplo dos pais, sempre muito religiosos e prestadores de serviços à comunidade. “Diariamente, meus pais faziam doações nas ruas, ajudavam e se preocupavam com as outras pessoas, então tenho isso em mim desde muito cedo”, explica.

A estrutura familiar se moldou quando o pai faleceu. Era a figura que trabalhava, sustentava a casa e os filhos. “Foi um período em que nós passamos necessidade. Faltou comida mesmo. Perdemos literalmente tudo. Minha mãe virou a leoa”. Ainda que tenha sido uma fase delicada, não expressa ingratidão. Pelo contrário, acredita que aprendeu e absorveu o melhor da experiência.

“A pobreza ensina. Ela mostra que o que a gente tem só vale se a gente doa. Por exemplo, eu tenho beleza. Se puder ajudar alguém com isso, tudo bem, caso contrário, para o que serve? Ou então, eu tenho conhecimento, sei tocar violão, tenho dinheiro… você já viu algum carro de defunto levando as posses, os prédios, ou a empresa junto? Não. Ele leva somente o que doou de si. Se foi bom ou generoso, e é só isso que vale depois”, declara.

Há pouco mais de dois anos saiu da Paróquia São Judas Tadeu onde exerceu seu ofício por 49 anos com a comunidade do bairro Marapé. Acumulou boas experiências no local e o que preferiu destacar não foi apenas o seu trabalho, mas o do povo. Para o padre, a união, a fé e a vontade de realmente criar um espaço que tivesse finalidade social, é que faz o Centro Comunitário São Judas Tadeu ser o que é hoje. Um local idealizado pelos moradores e pela paróquia que oferece arte, esporte e acolhimento aos que precisam, é o que promove a fraternidade. Além disso, a relação ímpar com os mesmos não se rompeu. “Sinto saudades! As pessoas (do Marapé) vêm aqui me ver ainda, me ligam, mantêm o contato e eu fico muito contente com isso”, expressa.

Saiu de lá e foi para a Paróquia Nossa Senhora do Rosário de Pompéia, onde auxilia no trabalho do Padre José Myalil Paul. Há um ano desenvolveu bursite trocantérica, processo que consiste em inflamação dolorosa na região do quadril e isso o limitou, em partes, de exercer suas atividades, mas, segundo o mesmo, “não há nada pior do mundo do que ficar parado”. Em decorrência disso, atualmente, com auxílio da fisioterapia, se desloca para diversas paróquias celebrando missas e outras atividades pastorais. “Onde os padres me chamam, lá vou eu”, conta aos risos.

De avidez exemplar, padre Chiquinho não se vê sem exercer a função, que não só ajuda as outras pessoas, mas faz bem a si próprio. O contato com a comunidade antes e durante a celebração, a interação e a fé são elementos essenciais para o trabalho que é feito em conjunto, priorizando a comunicação e a relação, algo que ele não hesita em classificar como essencial na vida. “Ninguém é feliz sozinho. O ser humano é feito para interagir com o outro. Eu preciso dos outros e há pessoas que precisam de mim, independente do meu papel. Se relacionar com o outro é atender o que é da natureza, pois Deus fez assim”.

Desta criação de laços, o amor se torna consequencial. O padre explica que o Reino de Deus, que tanto é falado e introduzido de diversas formas, nada mais é do que realizar aquilo que faz o Criador feliz.

“O Reino de Deus é eu te acolher bem e você me tratar bem, com respeito. É espalhar fraternidade e tratar bem os outros. O mal não pode vencer o bem e somos nós que devemos provar isso. O que se fala de iniciativa, ajudar pessoas, grupos que se interessam por socorrer quem realmente precisa, é algo que todos têm que construir”.

E finaliza. “A felicidade e a alegria de Deus é ver o ser humano feliz. Fazer o bem através da voz, do ouvido, dando atenção às coisas que merecem, espalhando amor, então amem e permitam que amem vocês também… Eu acho que é isso”.

Texto: Manu Cardoso