Comportamento

Quando falar sobre sexo com as crianças?

14/09/2019
Quando falar sobre sexo com as crianças? | Jornal da Orla

Causou reboliço e comoção nacional a proibição da venda de um gibi na Bienal do Rio de Janeiro por parte da Prefeitura carioca na semana passada. O motivo: os dois personagens dos quadrinhos “Vingadores: A cruzada das crianças” eram namorados e se beijavam em uma determinada parte da história.  A tentativa frustrada de recolher o material só fez com que ele se esgotasse em pouco tempo e trouxe luz a um assunto que costuma ficar na penumbra: falar sobre sexo e sexualidade com crianças é ou não é indicado? 

 

Se você tem mais de 40 anos, provavelmente não se lembra de seus pais terem tido essa conversa com você ou mesmo se você teve essa conversa com seus filhos. Se antes esse papo era um tabu entre as famílias, hoje, os temas que permeiam o sexo são falados um pouco mais abertamente com os pequenos. 

 

Mas é grande a quantidade de pais e mães que têm dúvidas sobre qual é o momento certo de ensinar a criança sobre o seu corpo, as diferenças entre ela e os amiguinhos do sexo oposto, porque duas pessoas do mesmo gênero estão se beijando ou mesmo se uma história em quadrinhos é adequada. 

 

O momento ideal
Parte deste tabu se refere ao que as pessoas entendem sobre “sexualidade”. Se o que vem à cabeça é “o ato sexual em si” e vivências eróticas do mundo adulto, é compreensível que alguns pais achem inapropriado abordar o tema na infância.  

 

A educadora e terapeuta sexual Christiane Andréa acredita que os pais, primeiro, devem entender os conceitos que estão ligados ao assunto. “É preciso compreender o conceito de sexualidade, que é bem diferente de sexo. Tem a ver com a maneira com a qual nos relacionamos com as pessoas, como nos apresentamos à sociedade e está intimamente ligada à saúde física e mental. Sexo está relacionado com as distinções anatômicas e biológicas femininas e masculinas”.

 

Lidar com as perguntas sobre sexo que a criança faz em cada etapa do seu crescimento pode e deve ser um processo natural. A doutora em Psicologia Social Gisela Monteiro explica que a idade certa para conversar com os pequenos sobre esses assuntos é dada pelo surgimento da curiosidade. “Conforme ela for fazendo perguntas, os pais devem responder. Pode começar bem cedo com a curiosidade sobre onde nascem os bebês. As respostas devem ser proporcionais à capacidade de compreensão da criança”, explica.

 

Educação sexual começa em casa
Os especialistas são unânimes ao indicar a importância da educação sexual em casa, dada pelos pais. Para Gisela, assim como a educação formal, esta também é valorosa, algo que a criança se lembrará por muitos anos. 

 

“É dever dos pais o preparo dos filhos para a vida. Sexualidade é um aspecto que envolve não só reprodução, mas relações afetivas e todo o universo emocional inerente ao contato humano”. A psicóloga orienta o uso de recursos visuais, como livros, vídeos e filmes específicos, para ajudar a criança neste entendimento. 

 

Para Christiane, os pais não devem se espantar diante das perguntas dos filhos. “Responda apenas o que foi perguntado. Procure saber de onde vem a curiosidade, onde a criança ouviu sobre o assunto e seja objetivo nas respostas. Quanto mais respondermos sobre sexualidade, menos curiosidade a criança ou adolescente terá”. 

 

Desprenda-se dos preconceitos
O caso do Rio de Janeiro repercutiu, pois, como a repressão ao material da Bienal veio por parte da Prefeitura da cidade, muitos acreditaram se tratar de censura. Porém, a atitude do poder público revela crenças e dogmas pessoais, para além da faixa indicativa do livro, O preconceito contra homossexuais ainda é latente em nossa sociedade.

 

Uma criança acostumada com um ambiente familiar heterossexual pode achar diferente ou confuso duas pessoas do mesmo sexo em uma demonstração pública de afeto. Para falar sobre esse assunto, explica a educadora, é necessário naturalidade e uma boa dose de respeito.

 

“O ideal é responder de forma clara e verdadeira. Não devemos desconversar quando a criança tocar neste assunto. Devemos falar com respeito e sem preconceitos. Fale sobre afeto e carinho entre pessoas do mesmo sexo, respeitando o tempo da criança,” diz Christiane.

 

A psicóloga Gisela lembra que a homossexualidade não é considerada doença ou desvio de comportamento, de acordo com a Organização Mundial de Saúde. “A preferência é de cada um e deve ser respeitada”.

 

O papel das escolas
Muitos pais, sem saber como lidar com a curiosidade dos filhos, acabam delegando a educação sexual para a escola onde a criança estuda. Só este assunto renderia dezenas de reportagens, tamanha é a confusão quando as instituições de ensino se propõem a falar sobre sexo, gênero e sexualidade. 

 

Nas eleições de 2018, muitos candidatos se elegeram com a bandeira da “Escola de Sem Partido”, na delirante ideia de que há um grupo político que quer ensinar valores invertidos às crianças nas escolas. A mentira fez muita gente acreditar em absurdos, como adornos pornográficos para mamadeiras, famoso kit gay no currículo escolar e, o mais estranho, a ideologia de gênero.

 

Os educadores remam contra essa onda de Fake News. Afinal, a demonização da educação sexual nas escolas se tornou um dos principais desafios para os professores que entendem a importância dela. 

 

“A escola deve promover a sexualidade no cenário biológico, por meio da saúde sexual e reprodutiva. Ampliando o cenário sociocultural, a escola deve abordar expressão humana e o desenvolvimento psicológico, colaborando na construção do conhecimento das crianças e adolescentes”, diz Christiane. 

 

Na prática, ajudar a criança ou adolescente a entender o seu corpo faz com que ela reconheça os seus limites, aprenda a se proteger contra doenças sexualmente transmissíveis, evite a gravidez precoce e o principal: seja capaz de identificar quando está sendo abusada.

 

“As escolas têm o papel de colaborar na educação sexual, tratando-a como trata de outros assuntos referentes à vida e ao desenvolvimento humano, sempre de forma respeitosa e com diversidade de experiências”, conclui Gisela.