Gente que faz

A fé ajuda a viver

12/10/2019
A fé ajuda a viver | Jornal da Orla

Fé na medicina, fé na vida, fé em Deus. Esta é a sensação que transmite o médico Ricardo Leite Hayden, após mais de 40 anos dedicados à prática da clínica geral e da infectologia, uma área essencial na saúde pública. “Com a maturidade a gente entende a vida e a profissão. É uma experiência enriquecedora”, descreve. 

 

“Trabalho minha cabeça para simplificar minha existência. A gente tem que se desapegar da arrogância, da prepotência, da soberba. Não devemos nos deixar seduzir pelos elogios; eles fazem bem, mas no momento seguinte é preciso quebrar pedras para fazer por merecer. A medicina nos dá isto, é o grande bônus”.

 

A profissão exige dedicação, estudo, sacrifícios, aprimoramento contínuo, longas jornadas de trabalho e, principalmente, amor ao próximo. Mas hoje Hayden acredita ter alcançado o equilíbrio, apoiado na filosofia do essencialismo e em sua fé inabalável na existência divina. Segundo ele, é o grande diferencial das horas boas e difíceis.

 

“Vivi episódios muito difíceis no campo pessoal e o que sempre me colocou para frente é o compromisso que tenho com Deus. Mantenho a bíblia sempre ao meu alcance e abro quando me sinto angustiado. Não transferindo responsabilidade, mas humildemente pedindo amparo, lucidez, compreensão para superar. As coisas vão acontecendo e fortalecendo a fé”, garante.

 

O essencial da vida

Ricardo Hayden hoje tem o essencialismo como inspiração. “É difícil, mas possível. O essencialista não faz mais coisas em menos tempo, ele faz apenas as coisas certas”, diz, repetindo frase do livro ‘Essencialismo, a Disciplinada Busca por Menos’, de Greg Makeown. Segundo o autor, trata-se de um método para identificar o que é vital, concentrando nosso tempo e nossa energia naquilo que realmente nos é significativo.

 

O equilíbrio entre a profissão e a vida pessoal é a meta. Junto com o trabalho, Hayden valoriza a convivência com os três filhos e os amigos, a leitura de bons livros, filmes e a música, uma paixão que lhe acompanha desde a juventude. Ele, que se define como guitarrista amador, no passado (1968),  foi vocalista de uma banda cover dos Beatles – Os Lobos. Posteriormente de Os Selvagens e outras.

 

Uma vida a serviço da saúde pública

O sobrenome é herança do bisavó irlandês, mas Hayden é um santista nato, nascido e criado no bairro do Boqueirão e aqui fez toda sua vida. O primeiro lampejo por medicina surgiu aos 9 anos de idade, quando ao participar da feira de ciências do Colégio Tarquínio Silva, onde estudava, teve a idéia de dissecar um coração de boi e um de rã. “Foi o primeiro contato mais palpável com um possível futuro na área”, recorda.

No 4º ano do curso de Medicina da Fundação Lusíada foi seduzido pela especialização em infectologia ao atuar como monitor da disciplina de moléstias infecciosas, por indicação do professor titular Ricardo Veronesi, uma autoridade na área. “Percebi que a infectologia é muito complexa e abrangente, exige uma visão ampliada de todas as disciplinas médicas”. 

 

Com 41 anos de prática de consultório, Hayden foi por duas vezes diretor do Hospital Guilherme Álvaro, coordenou o programa DST/AIDS na Prefeitura de Santos no governo de Mansur, por 16 anos respondeu como responsável técnico em Medicina do Trabalho e prevenção de doenças ocupacionais na Cosipa. Mesmo período de tempo que atuou como plantonista de UTI. Também lecionou nas faculdades de Medicina de Jundiaí, Bragança Paulista, ABC, Fundação Lusíadas e, atualmente, na Unimes.

 

Mas – claro – nada cai do céu. A medicina é uma área do conhecimento extremamente dinâmica e em constantes descobertas, o que obriga a participação constante em congressos, jornadas de atualização e educação sistemática. No início de outubro, Hayden retornou de mais um desses compromissos como infectologista, a ID Week – Advancing, Science, Improving Care, em Washington, EUA.

 

Responsabilidades coletivas e individuais

A infectologia é a especialidade médica que aborda as doenças infecciosas e parasitárias, causadas por vírus, bactérias, fungos, protozoários ou outros microorganismos que sempre tiveram enorme impacto na história da humanidade. Apesar dos avanços da ciência, muita gente continua morrendo por doenças como tuberculose, gastroenterite, malária, dengue, gripe, AIDS e doenças consideradas erradicadas, como a febre amarela e o sarampo.

 

Para Hayden, a questão envolve responsabilidades  governamentais e individuais. “Compete ao governo monitorar e trabalhar arduamente para impedir a progressão de epidemias e outras doenças. Já o indivíduo tem que entender a importância da vacina e os cuidados de prevenção, que começam no simples gesto de lavar as mãos”, exemplifica o médico.

 

A epidemia de HIV/AIDS, por exemplo, continua em progressão na faixa de 14 aos 22 anos e está mais acentuada na chamada terceira idade. “Há o mito da invulnerabilidade, abaixou a guarda. Outros assumem o risco, ignorando os efeitos colaterais dos remédios que serão para sempre. Uma parte da população está consciente, tem formação educacional melhor, mas informação sem ação é nula”, sentencia.

 

Dever cumprido

Aos 66 anos, o médico brinca: “Não nasci nem preguiçoso nem vagabundo, trabalho por prazer. Já pensei até em me aposentar completamente, mas hoje não consigo nem imaginar ficar parado. A medicina tem o aspecto de servir ao próximo, a sensação de dever cumprido, de ter feito algo útil para outro e para si mesmo”. 

 

Segundo ele, o indivíduo precisa acordar de manhã, se aprumar e ir para algum lugar. “É o princípio da longevidade. Fazer algo produtivo que o eleve como ser humano”, propõe Hayden, que, embora evangélico, realiza trabalho voluntário no Centro Espírita Mensageiros da Luz. “Não misturo questões religiosas”, resume. “Sou temente a Deus, respeito e tenho fé. Isto me ajuda a viver, a me aborrecer menos com as coisas. Meu compromisso é com Ele”, finaliza.

 

Fotos: Gabriel Soares e Arquivo Pessoal