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Resenha da semana: A Luz no Fim do Mundo

19/10/2019
Resenha da semana: A Luz no Fim do Mundo | Jornal da Orla

Na longuíssima cena inicial de "A Luz no Fim do Mundo", um pai inventa uma improvisada e sutil história de ninar para sua pequena filha, onde tenta explicar o que ocorreu naquele mundo em que vivem, onde acaba abordando a descentralização da figura feminina, aqui contada através de uma raposa fêmea, inserindo no contexto até mesmo a Arca de Noé. Essa história é percebida pela sua filha, que lhe pergunta se ela seria a única garota naquele mundo em que vivem. Tudo isso é contado de forma bem lenta pelo diretor e ator Casey Affleck, que deixa bem claro ao público, que terão que ter bastante paciência para acompanhar sua obra. Affleck não tem interesse em explicar as origens ou causas daquela crise ou o motivo que levou a garota a ser a única poupada por ele. Seu interesse está na dinâmica de relacionamento entre pai e filha, e não deixa de ser interessante o diretor se colocar como o protetor de uma mulher neste projeto, uma vez que quase foi banido de vez de Hollywood após ter confirmado denuncias de assédio contra mulheres em um de seus filmes.

 

O longa nos apresenta a uma realidade pós-apocalíptica, onde quase toda a população feminina foi devastada. Um pai precisa proteger sua filha do caos que se espalhou pela sociedade. Ela é a única menina sobrevivente de que se tem notícia e, mesmo dez anos após a pandemia que tirou a vida de todas as mulheres, incluindo sua mãe, Rag e seu pai ainda precisam lutar diariamente por sobrevivência. Ao evitar um ritmo acelerado ou um senso de urgência e perigo, que talvez caíssem bem neste gênero, o diretor opta por algo mais contemplativo, cheio de diálogos que vão da filosofia até a dúvidas comuns sobre a puberdade. Essa cenas tornam-se um tanto quanto repetitivas e consequentemente, arrastadas, porém quando subitamente somos surpreendidos por uma cena de violência, percebemos o talento que Affleck tem para composição e ritmo do filme, o que deixa uma sensação de frustração, pois o longa poderia ter sido bem melhor em sua execução. 

 

O roteiro, também escrito por Affleck, é basicamente centrado nos dois personagens principais e no desenvolvimento e construção dos mesmos em sua jornada de sobrevivência. O pai possui longos monólogos, onde expressa todo o esforço e insegurança que sente em relação de proteger e compreender sua filha. Já a filha, é retratada pelo roteiro como uma sobrevivente desde a infância, onde sabe de cor todas as normas de segurança impostas pelo pai, porém ao mesmo tempo é visível seu desejo de ser apenas uma criança em um mundo que não permite nenhum sinal de fraqueza.

 

A direção de arte do filme é competente, com uma criação de um mundo apocalíptico crível, desorganizado e repleto de camadas de pó em todos os ambientes. A fotografia de Adam Arkapaw capta com perfeição os riachos, montanhas e locais com neve que os protagonistas passam, o que reforça a sensação de frio e desconforto dos protagonistas ao passo que a trilha sonora completa essa atmosfera de melancolia do filme, com pianos e violoncelos. 

 

As atuações são a base para o filme funcionar e é impossível não destacar o trabalho da jovem Anna Pniowsky, que com apenas 13 anos, consegue transmitir camadas de rancor, esperança e responsabilidade de forma incrível. Casey Affleck mostra mais uma vez seu talento e o porque já levou um Oscar de melhor ator, construindo um home quebrado pela solidão e pelo peso da responsabilidade.

 

A Luz no Fim do Mundo requer um público paciente para sua apreciação e mostra que Casey Affleck é um diretor talentoso com uma obra íntima, profunda e repleta de melancolia e esperança. 

 

Curiosidades:  Além de dirigir e estrelar, Casey Affleck também é responsável pelo roteiro da produção.