Gente que faz

Um médico de família

26/10/2019
Um médico de família | Jornal da Orla

Se há uma certeza que Luiz Alberto Barreto adquiriu em 45 anos de clínica médica é que nada substitui a escuta, no momento e pelo tempo que ela exigir. “O relacionamento médico/paciente é soberano. O médico tem que aprender a ouvir o paciente, tentar descobrir o que ocorre em seu corpo e também entender seu estado emocional, mental e até espiritual. Esta ajuda pode ser melhor que qualquer remédio”, diz, com a sabedoria de priorizar a delicadeza e a solidariedade no trato.

 

Clínico geral e cardiologista, o doutor Barreto, como é mais conhecido, é daqueles médicos “das antigas”, que mantém uma clientela fiel que passa de pai para filho. “Ainda sou médico de família, têm algumas que estou atendendo a terceira geração”, diz, referindo-se aquele profissional que visitava os doentes em casa, conhecia o histórico e as queixas de cada um.

 

Aos 77 anos de idade e em boa forma física, graças à prática esportiva diária e aos cuidados com a saúde, Barreto continua atendendo no Hospital Beneficência Portuguesa, em seu consultório e faz visitas domiciliares sempre que requisitado. 

 

Medicina como ideal

Filho de médico, o ortopedista Álvaro Barreto, Luiz Alberto Barreto desde pequeno tinha a medicina como ideal de vida. Nascido e criado em Santos, o jovem queria cursar uma universidade federal. Passou no vestibular, mas na época (tempo da ditadura militar) era o Ministério da Educação que indicava os destinos. Para o rapaz deram as opções de Vitória e Manaus. 

 

Barreto escolheu Manaus, a capital do estado do Amazonas. O governo estava investindo na fixação do médico por lá. E a cidade se revelou uma boa surpresa para o jovem estudante. “A generosidade do povo amazonense foi impressionante”, lembra-se, muito agradecido pela experiência.

 

Naquele tempo, o Amazonas vivia em estado próximo ao isolamento. “A comunicação era quase zero, só por rádio, e ainda assim em hora incerta, e por telégrafo. Muitos professores eram do Rio de Janeiro e Ribeirão Preto”. O sexto e último ano Barreto cursou na Santa Casa de Santos, graças a um convênio firmado com a Universidade de Manaus.

 

Uma vez formado, chegou a retornar a Manaus já casado com a professora Christina. Recebeu do Exército uma proposta, segundo ele, extremamente tentadora para ficar por lá. O amor por Santos o fez resistir. “Era muito dinheiro, mas me rendi a minha cidade”.

 

Aqui, fez carreira na Santa Casa de Santos e na Beneficência Portuguesa. Atuou como médico intensivista e no começo fez muitos plantões pela Baixada Santista. “Por isto é muito importante a família entender e neste ponto sempre tive o apoio e compreensão da minha esposa e filhos”. Viagens canceladas, datas festivas dentro de hospital, são situações da vida de um médico. “Só que o paciente confia em você, quer sua presença”, justifica.

 

O sentido da vida

Quando começou na profissão, eram poucos os recursos disponíveis para auxiliar nos diagnósticos. “Basicamente Raio X e exames laboratoriais”, lembra. Nas últimas décadas o mundo entrou na era digital, a ciência evoluiu vertiginosamente e novas tecnologias transformaram a prática da medicina. Barreto acompanhou toda esta revolução e se mantém conectado aos avanços científicos em sua área de conhecimento “Não se pode parar de estudar, é a vida toda, e nunca ter vergonha de perguntar”, ensina. 

 

Porém, garante: “Nunca podemos colocar a tecnologia à frente do exame clinico”. Segundo ele, “é muito comum o paciente apresentar exames normais, mas estar física e mentalmente muito doente. Às vezes, exames são até desnecessários se soubermos ouvir”.

 

Para Barreto, todas as profissões são dignas e a Medicina é extremamente vocacional. “Não será um bom médico se não tiver vocação, respeito muito grande pelo ser humano, solidariedade diante do sofrimento do outro”, diz, destacando o quanto é gratificante recuperar a saúde de uma pessoa.

 

“Até hoje não estamos preparados para a morte. Têm casos clínicos que a gente se apega, carrega muita emoção junto”, confidencia o experiente médico, que é católico praticante e devoto de Nossa Senhora, a quem credita sua intuição em algumas situações que salvaram as vidas de pacientes. Em seu consultório, as imagens de Nossa Senhora Aparecida e Nossa Senhora de Fátima lhe fazem permanente companhia.

 

Sempre é tempo de mudar

As doenças cardiovasculares são as que mais matam no mundo. “Algumas doenças têm histórico familiar, mas o estresse e os maus hábitos são muito nocivos. Sempre pergunto ao paciente se ele está disposto a se desfazer das coisas que fazem mal para a saúde, para que eu possa ajudar no tratamento. Não se conscientizar da doença é um fator muito complicador. Com 50 anos não dá para levar uma vida de 30. Não precisa perder o prazer, mas viver com moderação”, orienta.

 

Luiz Alberto Barreto aplica em sua vida o que acredita. “Uma das coisas mais importantes é a prática esportiva, pois trabalha a função respiratória, cardiologia, a circulação sanguínea”. Ele, que já competiu em travessias marítimas, continua dando suas braçadas nos finais de semana, “brinca” com caça submarina, joga uma pelada e faz musculação toda noite em academia. 

 

Com Christina teve três filhos: Marina, formada em turismo; Bruno, em gastronomia; e Lisandra, advogada. Duas vezes por ano viaja para os Estados Unidos a fim de visitar os três netos, que moram lá. “É quando recarrego minha energia”, brinca. E ainda sonha em conhecer o Japão, país que admira.

 

Barreto já perdeu a conta dos pacientes que atendeu ao longo da vida, mas não se diz cansado. Pelo contrário. “Tem que saber parar, mas não chegou a hora”, garante. Continua ativo e solidário, pois, como diz, “a doença não para nos finais de semana nem feriados. Não se pode protelar o atendimento”.

 

Foto: Julia Carpentieri