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Resenha da semana: Jojo Rabbit

08/02/2020
Resenha da semana: Jojo Rabbit | Jornal da Orla

É possível fazer piada em cima de temas sérios, ainda mais com o nazismo na Segunda Guerra Mundial. Não que retratar Adolf Hitler como um ser patético e com idéias e ideologias mais patéticas ainda seja proibido. Assista Chaplin em O Grande Ditador e você constatará quando um realizador sabe exatamente o que quer dizer,  ou até mesmo o diretor Taika Waititi, com sua versão de um Hitler hilária e cheia de ódio. O grande problema de Jojo Rabbit não está na irreverência e sarcasmo que retrata o nazismo, mas sim em tentar humanizar os nazistas.

O filme se passa na Alemanha, durante a Segunda Guerra Mundial. Jojo (Roman Griffin Davis) é um jovem nazista de 10 anos, que trata Adolf Hitler (Taika Waititi) como um amigo próximo, em sua imaginação. Seu maior sonho é participar da Juventude Hitlerista, um grupo pró-nazista composto por outras pessoas que concordam com os seus ideais. Um dia, Jojo descobre que sua mãe (Scarlett Johansson) está escondendo uma judia (Thomasin McKenzie) no sótão de casa. Depois de várias tentativas frustradas para expulsá-la, o jovem rebelde começa a desenvolver empatia pela nova hóspede. O filme é dirigido, roteirizado e protagonizado por Taika Waititi, onde abre o filme com uma excelente sequência, que já anuncia o tom de sua narrativa, mostrando o personagem de Jojo saltitando alegre pela cidade distribuindo panfletos sobre a juventude nazista ao som de uma versão alemã de “I Wanna Hold Your Hand”, dos Beatles. O cineasta mantém o tempo todo seu longa como uma constante paródia, explorando a mentalidade facista e o antissemitismo para ridicularizá-los através de situações absurdas (em um momento as crianças aprendem que judeus são filhotes de satanás que sugam sangue cristão). Tudo é abordado com leveza pelo diretor, seja nas caricatas e infantilizadas atuações do elenco ou até no próprio universo criado pelo diretor, onde tudo é enxergado de forma adocicada, até mesmo um assassinato.

No entanto, tudo tem um limite e como se trata de uma obra perigosa, que utiliza imagens nazistas e revive, com humor, situações nefastas relacionadas ao Terceiro Reich, há um grande perigo de tentar remover da memória do público o peso devido da história e o período que está sendo retratado. O roteiro, também de Waititi, trabalha bem o choque entre o fanatismo de Jojo em relação a figuras femininas, no caso sua mãe e a garota judia escondida no sótão, costurando muito bem a sensível, porém problemática, relação entre mãe e filho. Essa relação é o coração do filme e muito bem desenvolvida, com Rosie encarando o fanatismo de seu filho com certa tristeza, mas sem confrontos que poderiam ter o efeito contrário na criança. Porém, existem muitos deslizes que não poderia deixar de mencionar, onde certos acontecimentos devastadores são sucedidos por diálogos e situações engraçadinhas, que tiram toda a gravidade do que foi visto antes. Isso tudo culmina em um desfecho de um certo personagem que ganha no final uma cena redentora, feita principalmente para arrancar lágrimas da audiência.

O quesito técnico parte de uma estética e tons mais infantis, com uma fotografia carregada em tons dourados e uma direção de arte que torna praticamente todos os cenários mais coloridos e cheios de vida, que aos poucos vão ganhando um contorno mais cinzento a medida que o garoto vê a realidade bater à sua porta.

Nas atuações, é impressionante o timing cômico do pequeno Roman Griffin Davis, que retrata com habilidade a confusão crescente de Jojo diante de seus conflitantes sentimentos (e o que falar de Yorki, melhor amigo do protagonista e a coisa mais adorável da produção). Já Scarlet Johansson traz firmeza a sua personagem, que luta para manter um lar para seu filho e combater a obsessão dele por Hitler, não com punições ou castigos, mas sim com amor.  O que nos traz ao Adolf Hitler concebido por Waititi, que consegue a proeza de suavizar uma das figuras mais odiosas da História, encontrando um equilíbrio entre infantilizar a figura e permitir que o público ria com seus discursos cheios de ódio.

Por fim, acredito que consigo compreender as boas intenções de Jojo Rabbit, mesmo não concordando. O filme tenta provar que o amor seria a solução para o nazista enxergar o próximo como um ser humano, o que a História já provou ser impossível. Ao menos, o filme contribui, de sua própria maneira, para que este assunto não seja esquecido, especialmente no momento atual em que vivemos, onde a empatia e o respeito foram totalmente deixados de lado.

Curiosidades: A produção cinematográfica é baseada na obra Cagung Skies, de Christine Leunens, publicado em novembro de 2004.

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Foto: Divulgação