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Nara Leão – A musa dos trópicos

07/03/2020
Nara Leão – A musa dos trópicos | Jornal da Orla

No ano de 2008, o jornalista, escritor e administrador cearense, radicado no Recife, Cássio Cavalcante, lançou pela Companhia Editora de Pernambuco o livro com quase 700 páginas, homenageando sua grande musa, a cantora Nara Leão, uma das cantoras mais importantes de todos os tempos da nossa MPB.

 

O livro foi distribuído em 15 capítulos e mais os adicionais, contendo sua discografia, ficha técnica dos festivais, filmografia e prêmios, e considero como referência obrigatória para aqueles que querem saber mais sobre sua personalidade fascinante e sobre sua música, sempre muito diversificada e criativa. Incluindo, também, muitas fotos expressivas da cantora, que geraram uma alegria imensa para mim.

 

Trabalho criterioso e meticuloso, que levou quase uma década de intensas pesquisas feitas na Biblioteca Pública de Pernambuco e em vários outros locais, além de revistas, jornais e entrevistas com pessoas ligadas à artista. E a distância geográfica do Rio de Janeiro, grande fonte de informações para o livro, não foi obstáculo para que ele conseguisse realizar com qualidade seu projeto literário.

 

Inteligente, independente, talentosa, inquieta, desbravadora, muito politizada e engajada socialmente, ela esteve sempre adiante do seu tempo e, talvez por isso, sua vida tenha sido tão breve e intensa. Nara nasceu em 1942 e nos deixou rapidamente em 1989, com apenas 47 anos de idade.

 

Ela foi muito além do rótulo de “musa da Bossa Nova” e, como muito bem escreveu o autor, “Nara foi a primeira cantora branca da zona sul carioca a revalorizar o samba de morro, foi porta-voz dos intelectuais quando se tornou cantora de protesto”.

 

A personalidade forte e o caráter sensível da cantora foram muito bem destacados nas páginas do livro, inclusive trazendo novas informações.

 

No capítulo “Macio Azul do Mar”, fatos importantes da sua vida são esclarecidos, como aquele do surgimento do movimento musical da Bossa Nova, onde Nara Leão supostamente havia se matriculado na Academia de Violão, do seu grande amigo e parceiro Roberto Menescal e de Carlos Lyra. Na verdade, ela foi professora e não aluna. Vários depoimentos contidos no livro comprovam isso, inclusive o da cantora e violonista Wanda Sá, esta sim uma aluna confessa da dupla. 

 

Outro ponto marcante para mim, deste capítulo, foi o detalhamento das primeiras reuniões do grupo de jovens músicos da Bossa Nova, no seu apartamento do 3º andar, de número 303, da Av. Atlântica no. 2858, em Copacabana, no Edifício Champs-Elysées, em frente ao Posto 4. Naquele apartamento mítico, todos respiravam música, literalmente.

 

E um dos clássicos da Bossa Nova, “Lobo Bobo”, foi inspirada no encontro fulminante de Nara e Ronaldo Bôscoli, musa e poeta, ocorrido na porta daquele apartamento. Depois disso, vieram “Se É Tarde Me Perdoa”, ambas de Bôscoli ao lado de Carlos Lyra, e “Você”, ao lado de Roberto Menescal, que são algumas canções inspiradas nela.

 

Parabéns Xará pelo belo trabalho e pelo importante legado para as futuras gerações. Viva Nara Leão, eterna musa do planeta música.

 

 

 

"Nara"

Este é o primeiro registro fonográfico de Nara leão, lançado pelo selo Elenco, de Aloysio de Oliveira, no ano de 1964.

 

E ali já poderíamos imaginar o que seria a carreira de Nara Leão, fugindo do adjetivo de “musa da Bossa Nova”. Ela se tornaria muito mais do que isso.

 

De forma ousada, ela reuniu e misturou, com muita propriedade, compositores como Carlos Lyra, Vinicius de Moraes, Edu Lobo, Baden Powell, Aloysio de Oliveira, Moacyr Santos, ao lado de Zé Keti, Angenor de Oliveira “Cartola”, Nelson Cavaquinho entre outros.

 

Sensível ao extremo, ela foi uma das primeiras intérpretes a olhar com carinho para o samba do morro e seus autores, que, naquela época, eram desconhecidos do grande público. 

 

Deu voz a um Brasil totalmente esquecido e oprimido. E realizou o sonho de cantar sobre o povo e suas raízes.

 

O disco foi lançado na Boate Zum Zum, que era localizada na Rua Barata Ribeiro, em Copacabana, palco importante e famoso na época e que apresentava grandes shows.

 

O repertório com 12 faixas, pontuados por sambas de raiz e alguns dos primeiros afro-sambas, destaco “Marcha da Quarta-Feira de Cinzas”, “Feio Não É Bonito”, “Maria Moita”, “Berimbau”, “Consolação”, “Nanã (Coisa no. 5), “Diz Que Fui Por Aí” e “O Sol Nascerá (A Sorrir)”.

 

Outro ponto a destacar é a belíssima capa do disco, com o expressivo retrato estilizado de Nara, feito por Chico Pereira, e pela ousada e moderna capa assinada pelo genial César Villela, uma de suas primeiras para o selo Elenco.

 

 

 

Nara Leão – "My Foolish Heart"

Lançado por uma encomenda para o selo Polygram do Japão, no ano de 1989, este foi o último disco da carreira de Nara Leão e, no Brasil, foi lançado pelo selo Phillips, contando com a produção e os arranjos do seu grande amigo e parceiro Roberto Menescal.

 

Foi a segunda experiência da dupla com esta proposta. A primeira, realizada dois anos antes, em 1987, com o álbum “Meus Anos Dourados”, com clássicos do cinema.

 

Gravou 15 versões cantadas em português, de clássicos americanos dos anos 50, numa contagiante levada da Bossa Nova. 

 

As versões para o português são assinadas pela própria Nara Leão e por Nelson Motta e, uma única versão, assinada por Zé Rodrix e Miguel Paiva.

 

Ao seu lado estiveram Luiz Avelar nos teclados, Jacaré no contrabaixo, Rubinho na bateria, Barney na percussão e o próprio Roberto Menescal no violão.

 

Meus destaques ficam por conta de “Maravilha” – S' Wonderful, “Adeus no Cais” – My Funny Valentine, “Mas Não Para Mim” – But Not For Me, “E Se Depois” – Tenderly, “Onde e Quando – Where Or When e “Alguém Que Olhe Por Mim”.

 

Particularmente, gosto destas misturas de ritmos e línguas, saindo do lugar comum, no entanto, mantendo a essência das suas composições.

 

Nara Leão teve dificuldades para colocar as vozes em algumas das canções do disco, pois infelizmente já estava doente. 

 

Nada, no entanto, que pudesse ofuscar a docilidade, a afinação e o sentimento que ela empregou a cada canção.

 

Não poderia ser diferente. Ela fez isso pela última vez, com muita categoria e talento.