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Resenha da semana: Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças

28/03/2020
Resenha da semana: Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças | Jornal da Orla

"Porque me apaixono por toda a mulher que me dá qualquer tipo de atenção?" Charlie Kauffman definitivamente é um gênio e, praticamente todos seus roteiros possuem uma inteligência e inventividade que são totalmente fora da curva, diálogos primorosos e cheios de verdade (como o que inicia essa crítica), juntamente com personagens nada convencionais que vivem sofrendo por amor. Lançado em 2004, Brilho Eterno é uma das grandes pérolas do cinema e teve um grande êxito e conquistou diversos fãs, desde seu lançamento até hoje, principalmente por reunir dois grandes talentos do mundo do cinema: um roteirista que se supera a cada texto e cheio de imaginação que sempre pensa fora da caixa e um diretor com uma criatividade visual impressionante que explora e dá vida a essa imaginação com fantásticos recursos visuais. Juntos, conseguem criar uma grande e primorosa reflexão sobre escolhas e destinos que a vida toma.

No filme, Joel (Jim Carrey) e Clementine (Kate Winslet) formavam um casal que durante anos tentaram fazer com que o relacionamento desse certo. Desiludida com o fracasso, Clementine decide esquecer Joel para sempre e, para tanto, aceita se submeter a um tratamento experimental, que retira de sua memória os momentos vividos com ele. Após saber de sua atitude Joel entra em depressão, frustrado por ainda estar apaixonado por alguém que quer esquecê-lo. Decidido a superar a questão, Joel também se submete ao tratamento experimental. Porém ele acaba desistindo de tentar esquecê-la e começa a encaixar Clementine em momentos de sua memória os quais ela não participa. É isso mesmo que você acabou de ler. Demonstrando uma impressionante evolução como diretor desde sua estréia nos cinemas, Michel Gondry conduz o filme com extrema segurança, jamais permitindo com que o público se sinta perdido e que sabe muito bem definir cada cena, seja com ângulos abertos, que mostra como os protagonistas são únicos naquele mundo, e também com ângulos fechados, evidenciando a emoção de cada indivíduo. Mas o grande atrativo de Brilho Eterno é a forma com que o diretor aborda os esforços do protagonista para manter a memória de sua amada viva em sua mente. Com isso, o diretor cria cenas emblemáticas que viaja pelas memórias de Joel, cada uma mais inventiva que a outra. E é a partir daí, que o roteiro de Kauffman (ganhador do Oscar daquele ano) prova mais uma vez que não se limita apenas em criar conceitos interessantes, mas também em explorar estes conceitos ao máximo, transformando nossa jornada pela mente de Joel em uma jornada surreal. Além da estrutura não linear do filme, que pode vir a confundir alguns espectadores, o roteiro traz diversos elementos que provam o total envolvimento de Charlie Kauffman com a natureza humana e a vontade de amar e viver a vida intensamente.

Quanto a parte técnica, é interessante ver um filme utilizar seus efeitos especiais em prol da história, onde são realmente necessários para que ela progrida. Aliado a isso, a montagem é excepcional, que vai ligando todas as peças de maneira brilhante juntando cenas com uma suavidade incrível. A fotografia possui uma beleza realista, que contrasta com o universo que a história se passa, aliado a uma trilha sonora tocante. 

Todo esse primor técnico e narrativo não atingiria metade de sua eficácia se também não tivéssemos as atuações de Jim Carrey e Kate Winslet no centro do filme. Conferindo verdade ao relacionamento entre Joel e Clementine, o casal de atores exibe uma ótima química. Winslet retrata com perfeição o temperamento meio louco e desleixado de sua personagem e Jim Carrey, por sua vez tem a melhor atuação de sua carreira. Contido e mantendo seu tom de voz sempre em tons baixos, Carrey transforma Joel em uma figura real, insegura e extremamente melancólica.  

Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças é a grande obra prima de Michel Gondry e que, seguindo a temática de sua narrativa, deveria ser apagada da memória do público para que todas as vezes que vissem novamente, fossem surpreendidos por esse excepcional filme. 

Curiosidades: O diretor Michel Gondry teve a ideia de fazer um filme como Brilho Eterno após seu amigo artista plástico Pierre Bismuth sugerir a história de um personagem que encontra um cartão no caixa de correio com a mensagem "alguém que você conhece apagou você da memória".