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Não tire meu mérito

12/04/2020
Não tire meu mérito | Jornal da Orla

Por mais contraditório que pareça, nada pode ter um demérito maior do que elogiar alguém pelo talento. Pelo talento simplesmente. Veja, aptidão é algo que deve ser valorizado sim. Mas não colocado como o ponto chave para chegar ao sucesso. Aliás, talento sem esforço leva a algum lugar? No livro Mindset, de Carol S. Dweck, a autora fala sobre – entre outros diversos pontos – os fracassos e recusas que Michael Jordan sofreu no início da sua carreira. Ele fora cortado da seleção de basquete no ensino médio, recusado pela universidade que queria jogar e pelas duas primeiras equipes que poderiam tê-lo contratado na NBA. Quando cortado da equipe da escola, voltou para casa chateado e contou à mãe o que acontecera. Ela lhe respondeu que voltasse à quadra no dia seguinte e treinasse ainda mais.

 

Talvez você não esteja pronto. E isso é bom.

 

Mario Sergio Cortella diz que, traçando um paralelo com o ciclo da vida, quando algo está pronto, ele está acabado, finalizado. Logo, vivo você nunca estará pronto. Que bom. O crescimento e desenvolvimento são constantes. No livro, Carol faz uma relação interessante. Quando pensamos no jogador que foi recusado, pensamos em MICHAEL JORDAN e não no Michael Jordan. Essa é a diferença. O ídolo que não nasceu ídolo. É bem provável que quando fora recusado por aquela equipe, Jordan realmente não estivesse preparado para fazer parte do time. O que enaltece ainda mais os seus feitos. Os treinos, aperfeiçoamentos que ele se dedicou depois dessa recusa, foram fundamentais para quem ele viria a se tornar.

 

Barreiras podem virar degraus.

 

Ainda no basquete, Stephen Curry, astro atual, passou por algo semelhante. No início da carreira, teve rejeitado o patrocínio de uma famosa marca esportiva, por dizer que ele não tinha o perfil de jogador de basquete. Se for analisar friamente, o que Curry faz hoje, dada a sua estatura e porte físico, só abrilhantam ainda mais o seu jogo. Habilidades natas? Existem ali, claro. Aptidões, com certeza. Mas que foram trabalhadas por anos. Se após a recusa, ele enfiasse a bola na mochila e voltasse para casa, desistindo e aceitando que aquele Curry jamais poderia ser o CURRY, alguém sentiria a falta? Talvez somente ele, com o assombro do “e se…” É sobre não jogar a responsabilidade para os outros. “Nunca fui descoberto”, “não me deram o devido valor”. É sobre não se sentar e lamentar. Entender como estímulo e partir para o degrau seguinte. Onde a concorrência é menor e a maioria desiste antes. E nem sou eu que estou dizendo. Quem disse foi WALT DISNEY. O pai do Mickey, que antes de criá-lo, quando era Walt Disney apenas, fora demitido do jornal de Kansas City por falta de criatividade. O resto é história. Ou devo dizer HISTÓRIA?

 

Que me desculpe o Cazuza.

 

“Destinos traçados na maternidade” é muito bonito de se cantar. E deve ser cantado sempre. Em uma relação é preciso um pouco mais do que o destino para dar tudo certo. O encontro pode ter sido casual. Talvez você chame de coincidência, ela de acaso. Alguém falará em destino ou plano dos deuses. Mas ainda estamos só no primeiro encontro, lembra? O olho no olho pela primeira vez. É preciso esforço e aperfeiçoamento contínuo para que a relação dure pelo tempo que tiver que durar. Não devemos cobrar a capacidade de ler a mente do outro, ou identificar sempre tudo que está sentindo. “Mas nós somos um só”. Quase. Talvez até sejamos, mas este “um só” é um terceiro. Criado parte de um, parte do outro. E adivinhem só? Precisa ser aperfeiçoado o tempo todo.

 

As cartas estão na mesa.

 

Essa é uma crença que compartilhamos desde criança. Focamos o elogio no talento, na conquista, na inteligência nata e não no esforço para se chegar ao objetivo. Citando a psicóloga, autora do livro, mais uma vez, muitas vezes consideramos que as aptidões são como cartas de baralho que foram distribuídas quando nascemos. Ou temos uma boa mão, ou simplesmente vamos cumprir tabela no jogo. Não deve ser assim. É impossível prever onde alguém pode chegar, o que pode realizar, com dedicação, paixão e treinamento. No assunto ou área que for. Lembre-se, talvez você só não esteja pronto ainda. E isso é bom.