Clara Monforte

Olhos nos olhos com Zuleika Olivan

25/04/2020
Olhos nos olhos com Zuleika Olivan | Jornal da Orla

ZULEIKA OLIVAN é psicanalista, especialista em Psicologia Clínica, mestre em Comunicação e Semiótica, coleciona cursos de especialização, seminários e congressos. Com 35 anos de uma brilhante carreira, fala à página sobre os efeitos emocionais e psicólogos na Pandemia do Corona Vírus. 
 
 
 
1 – A Pandemia do Corona Vírus pode causar danos na saúde emocional e mental das pessoas? Por que?
Toda a situação ameaçadora, como é o caso da Pandemia do Corona Vírus, nos coloca em estado de alerta permanente onde ficamos preocupados, stressados e como não podemos saber o seu desenrolar, porque este movimento se dá no dia a dia, a sensação de descontrole frente às incertezas do que irá acontecer podem provocar a ansiedade e todos os efeitos que advém deste estado. Estes sintomas tendem a desaparecer quando as pessoas procuram ajuda para poder falar desses sentimentos. Buscar dados informativos sobre a realidade da situação em fontes oficiais e limitar o tempo que passa assistindo ou ouvindo notícias sobre a Pandemia também pode ajudar neste momento.

 
2 – Quais os principais males que podem advir do confinamento?

Tudo depende de como o encaramos, pode ser mais ou menos difícil, vai depender de cada um. Se o olhar for direcionado somente para o lado negativo  poderão ser vivenciadas situações de conflito familiar, violência, negação da realidade, exacerbação do medo, sensação de desamparo, abandono ocasionado pelo distanciamento dos entes queridos. Se a pessoa já tiver uma fragilidade emocional os sintomas podem se mostrar mais acentuados. Pode aumentar o consumo de bebida e alimento.

 
3 – Até que ponto o bombardeio de informações sobre o aumento de mortes, no mundo inteiro, pode angustiar as pessoas?

A morte naturalmente trás a angustia do desconhecido, da separação do ente querido, Esta separação vista em massa, como é o caso da covid – 19 nos coloca frente a frente com esta realidade em tempo real. Por conta disso estamos nos encontrando com este real mais vezes e por ser uma situação que faz parte da nossa existência enquanto Ser, tantas e tantas mortes nos lembra disto o tempo todo. Dependendo da nossa realidade interna em confronto com a realidade externa estes bombardeios terão para cada um diferentes pesos. 

 
4 – Nesse caso, como agir para amenizar esse sofrimento?

Com relação a esta realidade posta, nos proteger, atender as orientações da OMS de como fazer em casos de Pandemia. Tentar separar o olhar subjetivo sobre a morte das situações externas com relação às mortes provocadas pela Pandemia, tentar ter um olhar crítico sobre os vários discursos que falam desta realidade factual. Volto a repetir, ter um limite para ouvir as noticias sobre esta situação podem ajudar a amenizar.

 
5 – A população teme a doença e a morte. Pergunto: o medo pode ser um poderoso gatilho para afetar a saúde mental?

Ao mesmo tempo que o medo é um gatilho ele também nos protege para irmos ao encontro de ações que nos distanciem deste perigo. Sendo assim, se o sujeito consegue lidar com a sua fragilidade emocional certamente a saúde mental pode ser menos afetada.

 
6 – As pessoas que sofrem de depressão crônica podem piorar? O que fazer?
Sim, elas podem piorar porque já apresentam uma situação anterior de dificuldade emocional. Por conta disso elas já devem estar em um tratamento, seria o recomendado! Uma psicanálise, a psiquiatria por conta da medicação, um conjunto que a ajuda a suportar a depressão. 

 
7 – O convívio social, familiar, o beijo e o abraço são uma forma natural de extravasar e equilibrar as emoções. Quais outros valores, na sua opinião, podem substituí-los, neste momento de proibição?

Buscar uma aproximação com os entes queridos via conversa, perguntar sobre o seu dia a dia, contar uma estoria, mesmo que a distância, já que temos o recurso tecnológico nos dias atuais que nos permite ver e conversar com as pessoas. Marcar uma reunião virtual com os amigos. Demonstrar interesse por aquilo que outro está fazendo ou falando, enfim, buscar a interação que mostre ao outro a importância que ele tem para o seu interlocutor.

 
8 – As crianças também podem sentir os sintomas do isolamento? Como agir?
Podem e sentem! Elas também foram retiradas da sua rotina. Estão em casa, todos juntos! É importante construir uma rotina para todos, as crianças podem ser chamadas a participar de todo o movimento que se tem na casa. Dependendo da sua idade os pais poderão promover diferentes ações para que elas possam se acomodar nestes dias, por exemplo, jogos, leituras, brinquedos,  desenhos na televisão. As escolas tem mandado atividades para os alunos, seria interessante deixar um lugar na casa onde numa determinada hora do dia elas possam executar as tarefas que foram enviadas da escola. Dependendo da idade conversas com os amigos via vídeo fone. Procurando fazer todas estas ações de forma equilibrada. 

 
9 – Sob o ponto de vista psicológico, este é o momento para nos questionarmos sobre a nossa vida?

Podemos considerar este momento pelo qual estamos passando um divisor de águas entre o que era e o que virá! O Ser nestes momentos de ruptura tende a rever as circunstâncias de sua vida para que novas situações possam vir a fazer parte da sua existência, mas para que o novo entre o velho precisa dar espaço, então, olhando por esta perspectiva, sim, questionamos porque vamos precisar nos acomodar num outro lugar subjetivo. E para isso precisamos reorganizar. Quando se tira tudo do lugar, sempre arrumaremos diferente do que era.

 
10 – Vc concorda, que mesmo com as consequências que a quarentena pode causar, é necessário o isolamento?

Não é uma resposta fácil! Podemos iniciar esta reflexão nos perguntando por que o isolamento? A única fonte que temos para esta resposta é a ciência e  ela nos fala que é um vírus cuja transmissão é eficiente e que nós como sociedade, por meio da medicina não temos condições, tanto no privado como no público, caso todos venham a contrair a infecção ao mesmo tempo condições para atender, teremos pessoas que terão de uma forma leve e outras com complicações. Não temos remédio e nem vacina. Quando temos uma virose, o médico diz, tem que esperar passar, tomamos um remédio que nos ajuda e aguardar. Este vírus covid-19 tem uma grande potência. Diante desta constatação o que fazer? 
Qual o objetivo para tudo isto? A manutenção da vida nos parece, se este é o objetivo então como fazer para alcança-lo? Como equilibrar esta trajetória com outra realidade que é a econômica? Só poderemos fazer tudo isto se preservarmos a vida, sem ela não podemos idealizar e construir o que desejamos. Então sim, fique em casa!

 

EXPECTATIVAS
O que significa estar na “expectativa”? Simples … é a situação de quem espera algo acontecer ou a probabilidade de que uma coisa aconteça. Quer dizer que é viável ocorrer ou não ocorrer. Logo, não adianta termos expectativa de um futuro melhor, se continuarmos com as mesmas atitudes do passado que não nos agradou. Estamos exatamente nesse momento de vida. Acredito ser mais saudável, evitarmos fazer as mesmas coisas que já fizemos e não deram bom resultado, aguardando resultados diferentes. A conscientização de que a reciclagem de valores é o ponto alto dos momentos difíceis, nos ajudará a passar por estas complicadas horas diárias. Pouco a pouco, virá a percepção de sentimentos que julgávamos não existirem, virá a sensação constante da saudade de alguém, de alegrias vividas e não reconhecidas, de atitudes que não perdoamos, enfim, de pequenos, porém grandes momentos não considerados. Talvez, esta seja uma oportunidade única para conversarmos com o nosso “eu” emocional e ouvirmos tudo o que ele nos dirá sobre o que está realmente nos faltando, para recebermos um futuro iluminado com mais amor, mais união, mais gratidão e mais fé. Não há dúvida de que as respostas estão dentro do coração e da alma de cada um de nós!