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O maior de todos os tempos

01/05/2020
O maior de todos os tempos | Jornal da Orla

Antes de tudo, isto não é resultado de um concurso ou uma pesquisa. Talvez você tenha visto outro(s). Não discuto. Isto é baseado no que eu vi, vivi e que formou boa parte do que eu acredito. É um resultado pessoal. Ah sim. E totalmente parcial. Não nego.

Há quem diga que, tecnicamente, Nelson Piquet era mais piloto. Se usarmos os números, citarão Schumacher e até outros. Com méritos. Também não há discussão para isso. Números são absolutos.

O que não se mede é o poder de inspirar. É o ato de heroísmo que te move a querer ser igual. Recordes existem para serem batidos. E serão. Mais dia, menos dia.
Mas o que torna imortal?

O que coloca Ayrton Senna acima é a forma como ele fazia. A forma como fazia diferente do que todos já haviam feito. E principalmente, como fazia quando nenhum mais faria. Quando todos desistiriam.
Sentados à frente da TV, víamos um piloto de um esporte elitista ser o espelho de um país inteiro. O nosso mais homogêneo e democrático símbolo até hoje: o capacete verde e amarelo.

Nós, e nosso complexo de vira-latas, assistíamos a um brasileiro que não abaixava a cabeça. Que fazia questão de mantê-la erguida. Mostrando que não aceitaria dizerem que não podia.

Bateu e saiu da pista. Prost desistiu. Ele foi para o box. Trocou o bico do carro. Voltou para a corrida. Mas muito atrás. A gente nunca ganha nada mesmo. Pera aí, ele está chegando. Está longe ainda. Já está bem perto. Não é possível. Primeiro. Ganhou. Campeão. Não valeu. Cancelaram.Tomaram o campeonato na canetada.

A resposta? Veio na pista, no ano seguinte. Literalmente na pista. Na primeira curva, para ser mais exato.
Sempre um dia antes de começar outra semana de dúvidas, incertezas, decepções e frustrações, recebíamos pelas antenas (sim, usávamos antenas) a mensagem de que se o tempo fechasse, você deveria ajustar o carro, mexer nos pneus e continuar pisando fundo.

Que se você derrapasse e fosse parar na grama, se o seu motor fosse inferior, se as condições fossem ruins para ultrapassar, ou se seu carro literalmente te deixasse na mão, você tinha que continuar. Não existia desistir. Não facilmente. Não sem tentar tudo.

 

Um carro a 300 km/h, sem as marchas mais lentas, sendo preciso um esforço sobre- humano para segurá-lo no braço ao fazer as curvas não vai ser motivo para abandonar a prova. Não essa. Não na primeira vitória no país. Não na frente da nossa torcida.

O maior brasileiro que eu vi não acreditava em dom. Acreditava – e provava – que é preciso pegar seu capacete e sair para a chuva todos os dias se você quiser ser o melhor.

Acreditava que existem coisas que você não controla, ainda mais estando em um carro de fórmula 1.

O tempo pode mudar, uma falha mecânica acontecer, um incidente com outro piloto. O que você controla é como vai reagir.

Cara, se soubesse a falta que teu exemplo está fazendo, você voltaria correndo.
A gente repetiu tanto o gesto da bandeira nos últimos tempos. Ora pelo lado do motorista, ora do passageiro. Mas tem alguma coisa estranha. A gente não está fazendo do jeito certo. Ainda tem quem insista que se ela está em uma mão, não pode passar para a outra. A gente precisava ver você fazer de novo.
A gente precisava de você de novo. Mais um pouco.

A gente ainda prefere sentar e colocar a culpa no outro em vez de assumir o volante e fazer o nosso melhor. A gente ainda prefere apontar o dedo na cara a apontar o carro na reta. Sempre tem que ter um culpado. A equipe, o motor, o tempo, a pista.

A gente ainda não aprendeu com a sua fala de que não precisamos de ídolos, mas de bons exemplos.
A gente ainda idolatra, põe em pedestais. Depois se frustra, desiste e corre para o lado extremamente oposto. Aí já sabe, né? Fica rodando na pista. Sem sair do lugar.

Falta alguém que nos mostrasse – de novo – que não é fácil. Mas que o sacrifício e o esforço valem a pena.

A gente ainda busca o primeiro lugar. E dá para chegar. A gente tem carro para isso. É que era melhor estando de carona com você.