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O joelho que matou Floyd segue andando livremente

07/06/2020
O joelho que matou Floyd segue andando livremente | Jornal da Orla

E em uma caminhada que já vem acontecendo muito antes do assassinato dele.

 

Não é o joelho pressionado contra a garganta, enquanto se tenta lutar para respirar. Esse joelho é réu confesso de um crime que nem precisa confissão.

 

Os joelhos que continuam mantando “Floyds” por aí, são joelhos como o meu, o seu, como o da maioria. Uma maioria que se indigna com o que vê. Que não admite, não aceita. Que identifica os atos como desumanos, covardes e inadmissíveis. Mas uma maioria que mantêm os joelhos dobrados. No sofá. Sofá literal e metafórico. Sofá da sala e da comodidade da mente.

 

Não precisamos dobrá-los sobre a garganta de ninguém. Basta não os esticar. É preciso levantar mais do que bandeiras apenas. É preciso levantar-se de onde estamos. É preciso pôr a indignação em movimento. Indignação parada adormece, tal como uma perna dobrada sob o corpo por muito tempo.

 

Devemos nos levantar quando tentarem minimizar ou relativizar. Quando chamarem as situações de exagero, de vitimismo, de mania de perseguição. Não podemos nos dobrar ao revisionismo histórico, que insiste em criar falsas lacunas nas páginas dos livros para abrandar a violência da escravidão.

 

Eu, branco, nunca soube o que é sofrer racismo ou qualquer preconceito. Nunca me senti constrangido com olhares, quando a porta giratória do banco travou. Nunca vivi o desconforto com a senhora que abraçou a bolsa junto ao corpo, quando me viu caminhando pela calçada. Nunca ouvi insultos ou fui tratado diferente simplesmente pela minha cor.

 

Mas não é preciso ser negro para lutar contra o racismo. Basta ser humano. É obrigação. Como dizem: não basta não ser racista, é preciso ser antirracista.

 

Somos nós quem vamos desequilibrar esta balança. Nós. Levantando-nos e caminhando. Fazendo os pratos penderem para o lado certo. O único lado possível.

 

É preciso olhar o presente para mudar o futuro. É preciso movimentar as mentes de agora. Somente educando, somente ensinando e enraizando uma cultura antirracista é que poderemos transformar verdadeiramente esta situação.

“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor da sua pele ou por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender. E se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar.” Nelson Mandela.

 

Zapata, líder da Revolução Mexicana, disse que preferiria morrer de pé a viver de joelhos. Concordo em partes. Mas se olhar bem, é comum estarmos de joelhos.

 

Nós dobramos nossos joelhos para rezar, pedir perdão, para buscar a fé. Dobramos na beira do leito, suplicando um milagre. Nós dobramos nossos joelhos em atos de reverência, de respeito e para recebermos condecorações. Dobramos para mostrar humildade, e também quando não temos mais forças. Já dobramos quando algo nos tirou o chão e desabamos em desespero. Mas também quando foi preciso agradecer. Dobramos em pedidos de casamento. E quando queremos olhar uma criança nos olhos.

 

Dobrar os joelhos faz parte do que somos. Faz parte de sermos humanos. O que não faz parte é a subserviência. O dobrar de joelhos forçosamente, buscando demonstrar uma superioridade inexistente. O joelho que matou Floyd, matou o João Pedro, matou a Ágatha e tantos outros. É o joelho que faz parte de um sistema cego que só enxerga uma cor. Opaca e sem brilho. A cor da ignorância.