Criar e Construir

Para construirmos uma nova realidade

15/06/2020
Para construirmos uma nova realidade | Jornal da Orla

Poderia iniciar com um título polêmico e que certamente traria muitas queixas de quem só lê títulos. Algo como “Covid-19 trará grandes benefícios ao mundo” ou “Conheça as vantagens da pandemia”. Mas o objetivo aqui não é obter cliques e curtidas, apenas mostrar como, apesar de toda a tragédia, muita coisa nova está surgindo. Foi assim com as grandes guerras, com as pandemias anteriores, e já existem indicadores suficientes para mostrar que não será diferente agora. Não são apenas novas tecnologias, produtos inovadores que surgirão, mas principalmente novos comportamentos.

Já existem pesquisas, por exemplo, indicando que muita gente, muita mesmo, gostaria de permanecer com os novos hábitos de teletrabalho, de compras e vendas pela Internet. Descobriram como pode ser fácil e rentável, principalmente após o investimento inicial. E como em muitos casos esses investimento já foi feito mesmo pelos empresários, nem teria sentido jogar fora. Pelo contrário, o que começou de forma experimental tende a se tornar mais profissionalizado, ganhar novas tecnologias e aperfeiçoamentos.

Agora mesmo, li numa rede social um dono de loja em centro comercial que se disse pressionado a reabrir no primeiro momento possível. A pressão que relatou não é do consumidor, mas da administração do ‘shopping center’ que quer retomar totalmente a sua lucratividade com aluguel de espaço e outras taxas – sem se importar que o comércio só poderá operar inicialmente de forma restrita pela necessidade do distanciamento social e outras medidas profiláticas. E conta o comerciante que, mesmo ao iniciar as vendas pela Internet, sem qualquer participação portanto do ‘shopping’, este quer cobrar percentuais na venda.

Onde o comerciante vê uma ameaça de falência, eu vejo uma nova oportunidade de negócio. Já que o centro comercial não soube se ajustar à realidade virtual e formar parcerias com os lojistas, e já que a pressão para a reabertura das lojas não é dos clientes, o comerciante poderia buscar formas legais de encerrar o contrato com o ‘shopping’ e aperfeiçoar o atendimento via Internet.

Analisem as linhas acima e vejam que não penso em prejuízo ao centro comercial. Indiretamente, estou dando a dica para o centro comercial: crie uma presença comercial forte na Internet, fortalecendo sua marca, e tome a iniciativa de renegociar com os comerciantes uma nova forma de atuação.

Vitrines – O que está acontecendo neste momento é o que tenderia a acontecer em mais alguns anos, a pandemia apenas está antecipando – e este pode ser um dos benefícios… para quem souber aproveitá-los, claro!

Vejamos: hoje, é comum o cliente entrar na loja, conhecer um produto e lá dentro mesmo pesquisar os preços nas lojas concorrentes, seja para tentar um desconto, seja para simplesmente comprar onde for mais vantajoso. Notem o comportamento do consumidor: ele precisa conhecer o produto de perto, com recursos táteis e olfativos em certos casos, e mesmo detalhes e informações específicas de uso que na Internet ainda nem sempre são encontráveis. Então, ele vai a loja, não para comprar, mas para conhecer.

A sacada é incentivar esse comportamento: os centros comerciais físicos se tornarem expositores dos produtos, não mais com vendedores de olho na venda imediata, mas com demonstradores de olho na fidelização do cliente. Toda a força de vendas fica na Internet, o centro comercial passa a ser uma exposição permanente de novidades, onde o cliente até pode sair com o produto, mas será cada vez mais uma exceção. Os produtores precisam de lugares assim, e pagam bem por isso – é só ver as feiras setoriais de eletrodomésticos, roupas e com temática específica (noivas, bebês etc.)

Gostemos ou não, as leis de Darwin funcionam com todos nós, inclusive comigo, que já me reinventei profissionalmente algumas vezes na vida, para me adaptar a novos contextos, mesmo sem ter uma pandemia ou crise econômica me forçando a isso. Com Covid-19 ou não, os tempos mudam e se não criamos novas oportunidades, o mercado nos engole sem piedade.

O consumidor já mudou, o comerciante está mudando, e o centro comercial terá de adotar também novos conceitos de atuação e métodos de trabalho – antes que seu concorrente o faça. Quem quiser ficar cobrando taxa de comerciante, que vá colecionando “papagaios”. Quem espera que o consumidor entre na loja e faça a compra ali, abra bem olhos e ouvidos e verá que o ciclo de venda mudou, sua bela loja está servindo de vitrine para o concorrente mais esperto, que aprendeu a reduzir custos no gerenciamento do negócio e na negociação com fornecedores e assim tem preços mais atraentes.

 

Neste momento mesmo de pandemia, é só passar pelas ruas da cidade (com as devidas proteções, não quero nenhum leitor doente!): as lojas estão fechadas, mas nas portas estão cartazes – ainda que feitos à mão – informando que o negócio continua atendendo pelo telefone x, pelo aplicativo y, pela rede social z. O negociante já viu como o custo fica bem menor e o consumidor – se bem atendido – fica ainda mais satisfeito. Então pra quê voltar ao sistema antigo, certo?

 

Em todo o mundo, as lojas fecharam as portas por causa da pandemia
Imagem: site Freepik

 


Antes do Covid-19, consumidor já ia à loja para “sentir” o produto, e lá dentro mesmo pesquisava os preços dos concorrentes
Imagem: site Freepik

 


Centros comerciais precisam pensar em alternativas de presença forte na Internet, em parceria real com seus lojistas
Imagem: site Freepik

 


“Desculpe”, mas se o lojista não procurar se antecipar às tendências, logo nem terá a desculpa da pandemia para o fechamento
Imagem: site Freepik

 


Alguns dos números que configuram as mudanças em curso no mundo
Imagem: site C40 

 


População desnutrida no mundo, em 2017, um dos dados no gráfico interativo tipo doughnut (rosquinha) de Kate Raworth
Imagem: site Kate Raworth