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Os heróis anônimos – os judeus partisans

08/07/2020
Os heróis anônimos – os judeus partisans | Jornal da Orla

 
Abba Kovner tinha 23 anos quando foi confinado num gueto da Lituânia, em 1941. Ele liderou uma revolta, fugiu para a floresta vizinha e combateu os alemães ao lado da mulher, Vitka. Após a guerra, integrou um esquadrão de judeus que envenenou milhares de nazistas.

 

O nome do grupo: Vingança.

 

Abba Kovner foi o mentor de meu sogro que, também, aos 14 anos fugiu do gueto para se juntar aos guerrilheiros nas florestas de Vilna. Eram os heróis anônimos, os partisans. Abba, sua mulher Vitka e Moishe, meu sogro, mantiveram a amizade depois da guerra por mais de 50 anos.

 

Com a revelação dos campos de trabalho escravo e de extermínio sistemático dos judeus, as famílias entenderam que deveriam salvar seus membros mais jovens e mais aptos, incentivando-os a fugir e se juntar aos bravos guerreiros da resistência, que moravam nas florestas.

 

Os partisans saíram de vários guetos através da Europa, na Polônia, Ucrânia, na Bielorrússia, na antiga Tchecoslováquia, na Iugoslávia, na Letônia e outras regiões, e criaram brigadas com regras muito austeras, para garantir sua sobrevivência. Existiram aproximadamente 30.000 partisans.  

 

Ser um partisan judeu era se sentir sozinho contra todos. Os nazistas queriam matá-los. E a população local os odiava. Não tinham casa nem comida.

 

Havia unidades de partisans só de judeus, mas muitos se uniram a brigadas comunistas ou grupos de ex-soldados soviéticos que ficaram no Leste Europeu quando a região caiu sob domínio alemão. Alguns grupos de judeus não tinham nem armamento e o relacionamento com os russos lhes garantia também, o sustento.

 

Mesmo assim, tinham que adentrar nos pequenos vilarejos, que mantinham uma população claramente antissemita, para roubar cavalos, comida e roupa.

 

Como atividades de resistência, os partisans descarrilaram trens inimigos, sabotaram usinas, instigaram levantes e contrabandearam judeus para fora da Europa. 

 

Também, envenenavam os alimentos dos alemães, eliminando muitos inimigos.

 

Passar anos sofrendo no inverno da Europa Oriental não era para qualquer um e muitos destes heróis acabaram morrendo.

 

As ações destes elementos tiveram que ser duras, até mesmo cruéis, mas eram a única alternativa para enfrentar inimigos tão poderosos como o nazismo e o antissemitismo.

 

Nas brigadas judaicas, era grande o número de mulheres que se dispuseram a enfrentar as agruras das florestas para lutar contra o horror alemão.

 

Em 1942 são criadas organizações oficiais de resistência armada. A primeira delas, a FPO, Organização dos Partisans Unidos, foi formada em Vilna.

 

O ZOB (Zydowska Organizacja Bojowa, Organização de Combatentes Judeus, em polonês) deu seus primeiros passos em Varsóvia, em 1942, após a Grande Deportação. Esse movimento de resistência seria decisivo na organização do Levante do Gheto de Varsóvia.

 

A resistência mais bem-sucedida, uma fuga em massa, ocorreu em Minsk. Entre 6 mil a 10 mil judeus fugiram para as densas matas, e alguns milhares sobreviveram até o final da guerra.

 

Várias vezes os "judeus da floresta" foram alvos de ofensivas inimigas e tiveram que se deslocar, buscando locais mais protegidos da ameaça da ocupação.

 

As missões que os guerrilheiros judeus empreenderam – sabotando forças e suprimentos alemães, manejando explosivos, interrompendo as comunicações – estavam repletas de perigos.

 
Os partisans também explodiam as pontes de passagem dos trens de armamentos, o que prejudicava muito o transporte dos alemães. Eles ficavam dias e dias sem poder avançar, esperando que as pontes fossem reconstruídas. 

 
Muitos adoeceram, muitos foram feridos e mutilados, muitos pagaram com suas vidas. 

 
Os cuidados médicos eram escassos. Por exemplo, Sonia Orbuch foi engajada a uma grande unidade de guerrilheiros soviéticos e judeus, e trabalhou ao lado dos médicos da unidade, cuidando de combatentes doentes e feridos. Ela lembra: “Fiz o que pude por eles – trouxe comida, dei remédio, troquei os curativos. Mas não havia meios de esterilização. Quando alguém melhorava, pegávamos os curativos e lavávamos para usar novamente. ”
 

Os partisans judeus protagonizaram também histórias de heroísmo, perseverança e de combate à barbárie nazista em países como França, Bélgica, Itália e Grã Bretanha. Unidades de resistência surgiram em mais de cem guetos. Estima-se que entre 20 mil e 30 mil judeus atuaram como guerrilheiros na Segunda Guerra Mundial, em unidades exclusivamente judaicas ou em movimentos mais amplos da resistência ao nazismo.

 

O hino dos partisans é um epítome do que significava ser um partisans judeu:

 

Nunca digas que este é o último caminho,
Ainda que nuvens de chumbo toldem o azul do céu.
Chegou a hora que tanto esperávamos.
Marchando ao som de tambores – aqui estamos!
Da terra das verdes palmeiras, aos recantos cobertos de brancas neves,
Viemos com a nossa dor, a nossa determinação
Onde quer que nosso sangue tenha sido derramado, 
Nossa fé e o nosso valor hão de brotar. 
Um dia o sol brilhará sobre nós, 
Enquanto o inimigo desaparece no passado. 
Mas se a alvorada tardar demais, 
Que esta canção seja uma bandeira de geração em geração.
Ela não foi escrita com tinta, mas a sangue. 
Não é o canto de um pássaro em liberdade. 
Um povo entre muralhas que tombam,
Cantou esta canção de armas na mão.

 

Mendy Tal
Cientista Político e Ativista Comunitário