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Você sabe quem eu sou?

23/07/2020
Você sabe quem eu sou? | Jornal da Orla

Poderia ser uma fala desesperada e angustiante de alguém que estivesse sofrendo com uma repentina perda de memória? Poderia. Mas não é. Infelizmente não é.

O que se perdeu ali foi o bom senso, a boa educação e principalmente a humildade.

A pandemia que nos obrigou a usar máscaras, também ajudou a derrubar algumas outras.

Há quem diga que na verdade esse vírus veio para expor uma sociedade doente. É uma forma pesada de se pensar. Depressiva. Mas não deixa de fazer pensar.

Será que estamos mais doentes do que imaginávamos e já muito antes do que achávamos? Talvez o auxílio emergencial necessário seja psicológico. Com um pente fino para garantir que seja usado só por quem precisa. Neste caso, por quem provavelmente não pediria.

A fala preconceituosa e arrogante é um eco. Um eco cavernoso de uma parcela da população que ainda está presa com as costas voltadas para a saída da caverna. E para piorar, só enxerga e admira a própria sombra. 
Uma ofensa por si só já é difícil de justificar. Uma ofensa com arrogância e humilhação é repugnante. Mas existem ofensas que são como bumerangues. No momento em que são lançadas, fazem a volta e acertam em cheio quem as atirou. Não sem machucar ou atingir o ofendido, infelizmente. Mas com força proporcional, atingem moralmente quem as proferiu.

Onze milhões de pessoas no Brasil adorariam conseguir ler um pequeno pedaço de papel. Poderia até ser bem menor do que o que foi rasgado e atirado contra a areia da praia. Insultar alguém, chamando-o de analfabeto – coisa que o Guarda Municipal claramente não é –, é uma auto-ofensa. É trazer à tona todo um contexto e se colocar como parte dele.

É afirmar que sabe que tem pai que não pode escrever um bilhete pro filho, que se envergonha quando perguntado sobre o que está escrito na faixa pendurada no poste, que tem criança que praticamente desenha o próprio nome, fazendo-o com todo o esforço possível. 

Afirmar que sabe, e demonstrar que não se importa. Que não se incomoda. Que é justamente isso que o torna superior.

Uma sociedade que forma “engenheiro civil, melhor do que você”, se especializa em construir muros e não pontes. Eu não entendo nada de engenharia, mas esses alicerces não me parecem nem um pouco firmes. Já começamos errados, né “doutor”?

A defesa, quase que automática, se baseia em dizer que a fala foi tirada de contexto maior e que a pandemia está sendo usada para se cometer abusos de poder. Eu não consigo imaginar um contexto onde elas se encaixariam. Agora, em um ponto vou ter que concordar com os “doutores”: se tem uma coisa que estamos vendo, é o abuso de poder sendo cometido. Como sempre foi. A diferença é que agora ele é exposto.

Parece até ironia com a música do Cazuza, mas foi justamente com a obrigação de tampar o rosto, que o Brasil começou a mostrar sua cara.