Criar e Construir

Acupuntura… urbana?

28/08/2020
Acupuntura… urbana? | Jornal da Orla

Pois é, esta expressão existe, embora seja conhecida mais em setores específicos, como o do urbanismo. Criado pelo arquiteto e teórico social finlandês Marco Casagrande, o termo foi definido no Brasil por Jaime Lerner (ex-prefeito de Curitiba) como um série de intervenções em pequena escala, altamente focadas, permitindo criar ou iniciar um processo de regeneração de espaços desqualificados ou ociosos.

Contrasta com o urbanismo tradicional inspirado em Le Corbusier, que segue leis de mercado e o planejamento “de gabinete”, pois analisa como as crianças ao brincar vivenciam realmente o espaço, ou como ocorrem eventos como um mercado clandestino e as situações de “resiliência natural” – em que, com o tempo, a área volta ao que era antes de uma intervenção inadequada. Vale recordar um exemplo do ex-presidente Jânio Quadros: para se fazer uma calçada para pedestres, observe-se por algum tempo por onde as pessoas passam sobre a grama: é ali que deve ser feita essa calçada.

Cidades vivas – Estas estratégias de ecologia urbana consideram as cidades como organismos vivos, que respiram, e – da mesma forma que na acupuntura chinesa – assinalam áreas específicas que precisam ser reparadas. Os projetos sustentáveis servem assim como “agulhas” que revitalizam o conjunto mediante a cura das partes. Além disso, a teoria estabelece a localização de certos núcleos vitais, da mesma forma como a acupuntura tradicional trabalha com pontos chaves do corpo humano.

A acupuntura urbana dialoga com as teorias de inteligência coletiva, a tecnologia dos satélites e das diversas redes, para promover uma intervenção cirúrgica seletiva nesses pontos que possuem maior potencial de regeneração. Com isso, concilia a necessidade de mudanças com uma época de orçamentos e recursos limitados, de forma a criar um desenvolvimento urbano sustentável até atingir o que Marco chama de Cidade de Terceira Geração, ou Cidade Pós-industrial.

As pequenas e sutis intervenções promovem, com mudanças pontuais, o levantamento da autoestima dos moradores, da moral e mesmo do orgulho de viver nessas comunidades, catalisando assim a revitalização.
Possibilidades – Um caso clássico é a Comuna 13 da cidade colombiana de Medellín, com a visível percepção dos resultados obtidos no que já foi decerto um dos bairros mais perigosos da cidade mais violenta do planeta. Na mesma linha, o projeto venezuelano “Espaços de Paz”, vem remodelando no rumo da paz diversas áreas comunitárias perigosas daquele país, por meio da relação colaborativa entre arquiteto e comunidade.

São muitos e variados exemplos. No México, cortiços viram moradias simples que permitem ampliação para o atendimento de futuras necessidades, sem ter de realocar famílias que viveram juntas por várias gerações. Na África do Sul, o foco foi em concentrar em certos pontos das cidades o espírito empresarial e inovador, para que as pessoas liberem sua criatividade, mesmo sem o apoio formal que encontrariam nas metrópoles.
Um grupo de arquitetos estudou a extraoficial Instant City, ou Instant Taipei, em Taiwan, desenvolvendo a ideia de como a chamada “arquitetura popular” (ou “arquitetura fraca”, ou ainda “arquitetura ilegal”) usa a cidade parasitariamente como plataforma de crescimento e fonte de energia, com a proliferação de granjas urbanas ou mercados noturnos, formando uma verdadeira cidade paralela. Para eles, intervenções pontuais no estilo da acupuntura urbana podem ajudar na renovação e transformação da cidade.

Um poderoso exemplo disso está no programa “Mothers Unite”, implantado em 2007 na Cidade do Cabo (Capetown, África do Sul) e vencedor em 2012 do prêmio Deutsche Bank Urban Age Award (DBUA), por criar um área a salvo do gangsterismo, das drogas e da violência nas ruas, usando contêineres marítimos doados para formar uma vila com biblioteca, cozinha, escritórios, áreas de recreação e horta comunitária, com isso influenciando decisivamente o ambiente em seu entorno.

Mais voltado à conscientização coletiva, o projeto Cicada do arquiteto finlandês Marco Casagrande foi desenvolvido em Taipei (Taiwan): em meio a uma zona altamente industrializada, uma oca conceitual em bambu forma um casulo como o de uma cigarra, proporcionando experiências pelo contato com materiais orgânicos em estado bruto.

Exemplos regionais – No Brasil existem iniciativas de diversos tipos, seja de pintura revitalizando áreas em favelas ou projetos que colocam o protagonismo nas mãos dos moradores.

Em Cubatão mesmo, embora a expressão “acupuntura urbana” não seja usada, há um conjunto de atividades nas comunidades das encostas da Serra do Mar – enfeixadas no Projeto Com-Com de comunicação comunitária – que vem obtendo sucesso na recuperação das histórias das famílias, das curiosidades e dos atrativos da região, para o desenvolvimento do potencial turístico, da vida comunitária, do artesanato e de outras formas de renda que auxiliam na revitalização de toda essa área.

Que os urbanistas – desestimulados pela luta com a negativa de verbas e pela burocracia para lidar com projetos mais gigantescos de renovação urbana – comecem a voltar sua atenção para estas novas e poderosas formas de atuação!
    

Centro Polidesportivo Reduzido, um dos Espaços de Paz criados pelo arquiteto Marcos Coronel Bravo em Catia La Mar, na Venezuela
Imagem: Wikimedia Commons/Maria Lennon Perez (2017)

 


Vista noturna do Cicada, o casulo da cigarra, em Taipei: arte e conscientização pelo contato com a Natureza
Imagem: Wikimedia Commons/Marco Casagrande (2011)
 
 


Pavilhão Cicada, em bambu, foi instalado numa área densamente industrializada de Taipei (Taiwan)
Imagem: Wikimedia Commons/Marco Casagrande (2011)

 


Exemplo da chamada “arquitetura fraca” do grupo de arquitetos Weak! Architecture: o Bug Dome, um clube social não oficial para trabalhadores ilegais, perto da sede da Prefeitura de Shenzhen, China
Imagem: Wikimedia Commons/Movez (2010)