Criar e Construir

Vale a pena repensar

05/09/2020
Vale a pena repensar | Jornal da Orla

Temos apresentado nesta coluna uma série de ideias e de projetos – implementados ou não –, com o objetivo de contribuir nos debates, detectar tendências, enxergar oportunidades, num mundo que se mantém em rápida transformação – é só olhar quantos produtos e serviços usamos hoje que no início deste século/milênio nem se imaginava que existiriam. Como em crises anteriores, a inventividade e a capacidade humana são postas à prova, gerando um ciclo de transformações cada vez mais rápido – que repentinamente torna obsoleta mesmo a mais moderna tecnologia.

Alguns projetos, vistos como revolucionários alguns anos atrás, podem precisar ser revistos e ajustados aos novos tempos: ao serem aplicados, revelaram na prática tendências comportamentais inesperadas. Outros, pararam no meio do caminho e nem puderam ser testados, como os da Alphabet (empresa-mãe do Google) de criar um bairro inteligente em Toronto, no Canadá: a recessão econômica desaconselhou o investimento.

Inteligente e nacional – Não é que os projetos sejam ruins, apenas surgem situações inesperadas que precisam ser tratadas, como parece ser o caso da “primeira cidade inteligente inclusiva do mundo”, que foi implantada no Ceará com a bandeira de ter preço acessível a todas as camadas socioeconômicas e implantar diversas novidades e ganhou em Munique o Iconic Awards 2019 concedido pelo Conselho de Design Alemão. Bem, o projeto Smart City Laguna já gerou outra cidade assim no Rio Grande do Norte e ensaia a expansão para São Paulo.

O prêmio foi específico pelo Hub de Inovação, uma exposição permanente de tecnologia e inovação com 1.000 m² onde moradores ou não na cidade podem gratuitamente conhecer e aprender por meio das soluções inteligentes disponíveis, além de contar com biblioteca, espaços de trabalho compartilhado, cinema, atividades gratuitas do Instituto Planet (de artesanato a cursos de tecnologia e empreendedorismo) e área para eventos coletivos.

Destaques – Em resumo, a Smart City Laguna foi projetada para 25 mil moradores num espaço de 330 hectares situado em São Gonçalo do Amarante, 55 km distante de Fortaleza. O local foi escolhido após pesquisa comprovar que grande parte dos trabalhadores no Complexo Portuário do Pecém tinha de se deslocar mais de uma hora no trânsito de ida ou volta até suas casas.

Entre os destaques do projeto, a iluminação pública inteligente, com luminárias LED, além de cabeamento subterrâneo da rede elétrica na principal via e dutos separados para os demais serviços de infraestrutura (reduzindo riscos de descargas elétricas e melhorando a estética da cidade); uma lagoa de retenção de água da chuva, formando um manancial permanente; hortas urbanas, não só produzindo alimentos como consolidando práticas de socialização; controle da qualidade do ar, com sensores em pontos estratégicos.

Da mesma forma que na troca de livros, uma “biblioteca de objetos” permite alugar ou trocar equipamentos de uso não contínuo, em vez de descartá-los ou deixá-los num canto depois do uso. Este sistema de economia compartilhada incentiva os moradores a recuperar, reciclar e reutilizar objetos. Um polo tecnológico e empresarial, o Smart City Ecopark, tem infraestrutura de alta qualidade para receber empresas com propostas sustentáveis e economicamente positivas.

Por aplicativo de telefone celular, verdadeiro painel de controle da cidade, os moradores podem monitorar desde as câmeras de vigilância de sua rua (e estabelecer comunicações com vizinhos em caso de alguma situação anormal) até a qualidade do ar; pais podem rastrear onde os filhos estão; como a geolocalização, viabiliza-se o botão SOS, a carona comunitária e o compartilhamento de bicicletas, bem como envio e recepção de informações e opiniões úteis à comunidade ou de emergência; e ainda usar automação residencial e controle de eletrodomésticos.

É o conceito “Viver, além de morar”, reunindo essas e outras ações ambientais, de sustentabilidade, tecnologia, mobilidade e planejamento urbano desenvolvidas pelo Grupo Planet (formado por empresas inglesas, italianas e brasileiras).

Senões – Terminado o comercial gratuito, vejamos o que tem ocorrido. Crítica publicada em 28/11/2018 por Romullo Baratto no site especializado ArchDaily Brasil observa que o projeto se diferencia de outras cidades inteligentes apenas pela inclusão social, ao oferecer lotes para todas as faixas de renda.

Ainda assim, o autor não encontrou indicadores que mostrem ser mais sustentável e econômica uma cidade construída do nada na margem de uma estrada, em comparação a cidades que já têm a infraestrutura instalada. O sucesso de vendas teria ocorrido não pelos atrativos divulgados, mas pela simples – e enorme! – valorização imobiliária que ocorreu no local a partir de 2015.

A ideia da baixa densidade populacional é contraposta à do aproveitamento compartilhado dos recursos pelo maior número possível de pessoas, o mesmo ocorrendo com as ideias de socialização comunitária aplicads numa área pouco habitada. Para o analista, ideias e projetos mais focalizados, como o da acupuntura urbana (citado na coluna anterior) trazem resultados mais efetivos para “que nossas cidades passem de problemas a soluções ambientais”.

 

Smart City Laguna começou a ser implantada no Ceará em 2015
Imagem: Planet Smart City

 


Cabeamento subterrâneo melhora a estética das ruas
Imagem: Planet Smart City

 

Parece uma tranquila cidade comum, e é: as diferenças estão nos conceitos aplicados ao seu funcionamento
Imagem: Planet Smart City

Lotes diversificados atendem a todas as faixas de renda: inclusão social
Imagem: Planet Smart City