Criar e Construir

O futuro da normalidade

14/09/2020
O futuro da normalidade | Jornal da Orla

Pandemia terminando, hora de voltar à normalidade. SQN = só que não. Primeiro, porque o surto mundial de Covid-19 ainda está longe de terminar aqui, na Europa, nos Estados Unidos, na Índia, ou em qualquer outro lugar. Segundo, porque o afrouxamento das medidas de segurança e isolamento social está conduzindo a novo crescimento no número de casos (afora a possibilidade de surgirem novas cepas de vírus), desenhando no horizonte, infelizmente, a chegada da “Pandemia 2: a Missão”. Terceiro, por não termos ainda uma vacina de eficácia comprovada e permanente: serão necessários anos para que se possa fazer tal afirmação, mesmo que a vacinação em massa comece já com algum produto apenas “aceitável”.

Esta coluna tem procurado antecipar tendências, o que não envolve nenhum tipo de magia ou paranormalidade: basta observar o que acontece à nossa volta, os fatos apontando para onde caminha a Humanidade, e tentar se colocar à frente do grupo, para ver o que nos espera lá adiante.

Nova inércia – Faz parte do comportamento humano buscar zonas de conforto e nelas permanecer, por letargia. Mas, uma das tendências já identificadas é que – após a pandemia tirar pessoas, empresas e governos da inércia – muitos descobriram haver formas de atuar bem melhores que as antigas, graças ao avanço das telecomunicações. Empurrão dado para a frente, investimento feito mesmo que “na marra”, quem quer ter o trabalho de voltar ao que era antes da pandemia? É quando a própria inércia passa a trabalhar a favor da mudança, tornando-a permanente, num “novo normal” que só mudará de novo com o próximo empurrão.

Uma das “novidades” (não para mim, que já pratico desde 1980 – entreguei minha idade, meia-três…) é o uso do teletrabalho e do escritório doméstico (home-office). Expressões cuja principal diferença, aliás, é que no primeiro caso a pessoa trabalha à distância para a empresa que a contratou; no outro, a pessoa é autônoma na prestação de serviços, sem vinculação trabalhista.

Muitas empresas tiveram que aderir ao teletrabalho, muitos empresários ao escritório doméstico, e para eles, seis meses depois, ficou evidente ser menos estressante, mais seguro, econômico e produtivo. Nada de perder tempo (que é dinheiro) e se arriscar no trânsito, ou de ficar um tempão tentando juntar as pessoas para uma reunião: tudo é resolvido em instantes.

Claro que o contato humano é importante, até para que surjam novas ideias em conversas informais, pensamentos “fora da caixa” que às vezes fazem toda a diferença. Muito do que foi criado no ambiente empresarial foi devido ao intervalo do cafezinho, às conversas informais no corredor… Mas o “novo normal” não tem nada a opor a um churrasco no final de semana, uma reunião do grupo num bom hotel ou restaurante, uma palestra motivacional…

Definida a continuidade do trabalho em casa, o que era improvisação precisa ser repaginado. Então, é preciso pensar em como a imagem da empresa é vista pelo cliente – que tem, como referência, o fundo de tela da casa do interlocutor. Bagunça? Parede suja? Ambiente escuro? Roupa desleixada? Interrupções por crianças, animais, barulhos estranhos e até constrangedores? Pessoas passando ao fundo em meio a uma reunião de trabalho que deveria ser revestida de sigilo profissional?

Soluções terceirizadas – Pois é. As empresas terão de investir em treinamentos especiais, definir o fornecimento de equipamentos apropriados (sem que isso caracterize direito a remuneração trabalhista 24 horas ao dia, sete dias na semana) e até a padronização do ambiente que os clientes verão pela tela do computador ou celular. O chamado “backdrop”, um painel em lona com textos e logomarcas impressas colocado por trás da pessoa, já é usado em telejornais, em cerimônias públicas ou como cenário de fundo para entrevistas de jogadores de futebol garantindo a divulgação dos patrocinadores. Talvez comece a aparecer também no ambiente doméstico.

As empresas até podem desenvolver internamente essa cultura de cuidados com a imagem corporativa, mas é muito comum que elas – mantendo o foco no seu negócio principal – paguem para que terceiros pensem nisso por elas. Isso abre novas oportunidades de trabalho para consultores, publicitários, designers de interiores e outros profissionais.

E abre também espaço para arquitetos, engenheiros e empreendedores imobiliários considerarem o assunto: não é preciso pensar muito para imaginar que novos edifícios residenciais já preparados para o trabalho doméstico terão um apelo de vendas muito maior e mais moderno que os tradicionais endereços “perto de mercados, escolas, farmácias, clubes, linhas de ônibus e vias de trânsito expresso”… Biduu!

 

 

 

O “backdrop” da Organização Mundial da Saúde, presente nas imagens mais marcantes deste ano de pandemia
Fotos: WHO-HQ Photo Library