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Rio das Flores

23/09/2020
Rio das Flores | Jornal da Orla

 

“Este não é um livro de história, mas sim um romance histórico”. A nota do autor português ao final do livro explica bem a construção deste enorme romance sobre a fictícia família Ribera Flores nos conturbados anos de 1915-1945. Radicados numa próspera propriedade herdada no Alentejo, os Flores vêem-se envolvidos numa série de eventos, assimilando os efeitos da ascensão do regime totalitário de Salazar em Portugal e a eclosão da Segunda Guerra Mundial. 

 

A trama épica gira em torno dos dois irmãos Flores, Diogo e Pedro. Aquele, com tendências mais à liberdade e desejoso de ganhar o mundo, passa a visitar o Brasil com freqüência para expandir os negócios; o outro, conservador ferrenho às coisas da família e da terra, sempre de corpo e alma presentes na secular propriedade. Nasce então um acirramento fraternal quando a Europa passa a respirar ares políticos mais totalitários: ao passo que Diogo repudia o regime opressivo, Pedro se identifica com ele e chega a integrar as forças armadas de Franco em Espanha. 

 

O rigor histórico é o melhor do livro. Com muito apuro, Miguel posiciona seus personagens numa Europa afligida pelos obscuros regimes de Salazar em Portugal, Franco na Espanha e Hitler na Alemanha Nazi. O Brasil de Vargas também ganha significativo espaço, com um sedutor Rio de Janeiro arrebatando o coração de Diogo. 

 

Esta estória/história conversará com você por muito tempo. Saímos de livros como esse querendo saber mais. Envolva-se e se deslumbre com a habilidade muito própria do craque Miguel Sousa Tavares. 

 

 

Motivos para ler:

 

1 – O gênero romance histórico é das melhores coisas que há. Miguel já havia entregado o super bem sucedido Equador nessa chave literária, e novamente surpreende com Rio das Flores. Houve muita pesquisa séria (note a farta bibliografia anexada ao final do livro), tudo para erguer os fatos históricos de forma criteriosa e, assim, conectá-los ao romance. Lemos e aprendemos. Há coisa melhor?;

 

2 – A ideia que define o livro parece ser a ambiguidade. É curioso notar como os irmãos Flores (Diogo, um liberal na vida; Pedro, um conservador nos costumes) resolvem seus dramas praticamente invertendo suas convicções: basta olhar como seus dilemas amorosos terminam. Também são expostas as ambiguidades dos regimes, principalmente de Getúlio Vargas. Talvez porque, no fim, ninguém seja integralmente formado de uma coisa só;

 

3 – O livro está situado num passado histórico de decréscimo do sentimento democrático no mundo, à semelhança do que se vê hoje. É uma tendência da história: como um pêndulo, ela avança e retrocede. Um avanço virtuoso certamente se defrontará com resistências conservadoras. E isso, não raro, descamba para ditaduras, com seus esquizofrênicos “líderes”: “como sucede com todos os ditadores, os seus desejos confundem-se com a realidade. Ele via um povo inteiro que o amava, venerava, trabalhava e, se necessário, morreria por ele” (pg. 255). 

 

 

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