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Senhor das Moscas

28/10/2020
Senhor das Moscas | Jornal da Orla

A temática do náufrago perdido que tenta sobreviver às adversidades numa ilha deserta já foi bastante explorada nas artes humanas. O que faz o clássico Senhor das Moscas ganhar tons de distinção, além do talento laureado do autor, é o nível distópico e trágico que o romance atinge, mesmo sendo integralmente protagonizado por aquelas que seriam, em tese, as criaturas mais puras de nossa raça: as crianças. 

 

Eis o mundo construído por Golding, ao qual, sem delongas, somos apresentados desde a primeira página: um avião cai numa ilha deserta e os únicos sobreviventes são alguns meninos. Não há adultos. Apesar da inocência, eles percebem que precisam se organizar para formar um governo e sobreviver até o resgate. A forma como tudo é conduzido, adquirindo proporções sombrias e terríveis, é o que faz deste livro uma obra atemporal e com múltiplas compreensões: seria uma alegoria, uma parábola, um tratado político, uma visão de fé ou o anúncio do apocalipse? Conte-nos as suas conclusões.

 

O livro, em nossa visão, trata da perda da inocência causada pela visceral disputa de poder. Daí o escritor se valer de crianças, querendo significar que a opressão e a violência, tão encarniçadas na alma humana, subvertem até mesmo a pueril ingenuidade infantil. Golding também lança mão de simbologias poderosas, como a concha branca, o duelo entre Ralph e Jack, as oferendas para o “monstro”, os óculos de Porquinho e os incêndios, tudo para demonstrar que esta sempre foi a história dos homens, desde o dia 01 da humanidade: selvageria, violência e poder. Até hoje. 

 

Motivos para ler:

 

1 – Sir William Golding, que recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1983 e sagrou-se cavaleiro britânico em 1988, chegou a participar de ações militares na Segunda Guerra Mundial. Talvez a inspiração para compor o Senhor das Moscas, publicado em 1954, tenha surgido da violência experimentada no conflito; 

 

2 – Como típico de toda grande obra, Senhor das Moscas resultou numa série de ensaios, estudos, filmes e músicas sobre si. O filme, de 1990, encontra-se integralmente disponibilizado e legendado no Youtube. Também sugerimos curtir a música Lord of the Flies, dos britânicos do Iron Maiden. Uma frase da canção resume tudo muito bem: “Matando conseguiremos sobreviver onde quer que nós andemos”;

 

3 – Por que só meninos? Esta é uma das muitas questões deixadas pelo livro. Não há uma única menina. Especula-se que a ideia seria demonstrar que o mundo, concebido e destruído pelo homem, teve aqui um microcosmo representado por meninos. Há notícia de negociações para refilmagem do longa, mas agora só com meninas. O fim seria o mesmo? Não creio. Este planeta, erguido à imagem e semelhança do homem bruto, violento e sedento de poder, seria muito diferente (e melhor) se desde sempre o poder fosse compartilhado com mulheres. Daí a importância do feminismo, que além de atingir emblemas de justiça, respeito e igualdade, resultaria numa salvaguarda para a preservação da própria espécie humana. E daí a necessidade de repudiar aqueles infelizes que não compreendem essa concepção e se fecham no machismo retrógrado, como visto no recente e triste episódio envolvendo um jogador de futebol e o clube desta cidade.

 

 


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