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Combate está à deriva

16/01/2021
Combate está à deriva | Jornal da Orla

Pela primeira vez na história do Brasil (e provavelmente do mundo) uma agência fiscalizadora de remédios e vacinas vai fazer uma transmissão ao vivo, para anunciar os resultados de uma avaliação, como se fosse a divulgação dos resultados do Oscar. É apenas um sinal de que o combate ao novo coronavírus no Brasil está à deriva.

A reunião da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para revelar se aprova ou não as vacinas Coronavac e AstraZeneca poderá ser acompanhada neste domingo (17), às 17h.
É mais um capítulo de uma novela que vem se arrastando desde o ano passado e que poderia ter sido encurtada caso o governo federal fosse eficiente e uma parcela significativa da população tivesse um comportamento responsável.

 

Tragédia anunciada
O que acontece em Manaus, onde as pessoas morrem asfixiadas, é um exemplo claro disso. Não se trata de “opinião política” mas sim, por mais que aborreça o ministro Eduardo Pazuello, interpretação dos fatos —a missão do jornalismo.

O colapso ocorreu após o governador do Amazonas recuar da decisão de impor restrições às atividades (o que foi comemorado por deputados como Bia Kicis, Carla Zambeli e Eduardo Bolsonaro) e o prefeito de Manaus, David Almeida, insistir no “tratamento precoce” —o uso do “kit Covid”, que contém medicamentos como azitromicina, ivermectina e cloroquina, embora os especialistas assegurem que não funciona (veja na página 3).

Por mais que soe como clichê, foi uma tragédia anunciada. Os leitos Covid na capital amazonense já estavam à beira do colapso e, apesar de ser evidente que a necessidade por oxigênio iria aumentar, não se tomou nenhuma providência para reforçar o fornecimento. 

 

Vacinas
Desde o início da pandemia, os especialistas eram unânimes em afirmar que a doença só seria controlada com a vacinação em massa da população. Em tempo recorde, foram desenvolvidas várias delas e as primeiras doses começaram a ser aplicadas no fim do ano passado —em vários outros países (mais de 30), mas não no Brasil. 

O motivo foi a postura do presidente Jair Bolsonaro que, claramente, sabotou o início da vacinação no Brasil. São inúmeros os fatos. Entre eles, a aposta na “imunidade de rebanho”, o questionamento da eficácia das vacinas (desdenhou da Coronavac, chamando-a de “vachina”), a geração de desconfiança na população quanto a supostos efeitos colaterais (“vai virar jacaré”). 

Como consequência disso, o governo federal não se mobilizou para adquirir a quantidade necessária de vacinas para proteger a população brasileira — muito menos insumos. Na quinta-feira (14), em reunião com prefeitos o ministro da Saúde anunciou que a imunização começa na quarta-feira (20), com… 5 milhões de doses! A quantidade corresponde a apenas 10% do necessário para atender os grupos prioritários (profissionais de saúde, pessoas com mais de 75 anos, indígenas, quilombolas e pessoas com doenças associadas), ou seja, 51 milhões de pessoas. Estes grupos e quantidades estão descritos no Plano Nacional de Imunização elaborado pelo próprio Ministério e divulgado em 16 de dezembro. O documento registra ainda que a imunização será concluída em 16 meses após a aplicação da primeira dose.

A esperança é que a realidade se sobreponha às convicções pessoais do presidente e a aquisição (e aplicação) da vacina se acelere. O governo federal afirma que já garantiu a compra de 300 milhões de doses, mas a questão é quando elas serão entregues.

 

Eficiência
O Brasil possui o maior e mais eficiente programa de imunização do planeta. Do instante em que recebe a vacina do fabricante até injetá-la no brasileiro, o Sistema Único de Saúde demora apenas 36 horas. Em 2010, o Brasil vacinou 81 milhões de pessoas contra a gripe Influenza em apenas três meses. 

 

É o resultado de anos de experiência do Programa Nacional de Imunização, que existe desde 1973 e oferece gratuitamente 44 imunizantes para as mais variadas doenças, em cerca de 35 mil postos de aplicação distribuídos pelo país.

 

Com a vacinação em massa, os brasileiros podem pensar em voltar a ter uma vida com um mínimo de normalidade. Mas o governo federal precisa parar de atrapalhar.