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O médico e o monstro

31/03/2021
O médico e o monstro | Jornal da Orla

O médico e o monstro é uma das maiores expressões daquilo que se convencionou chamar de literatura de terror. O enredo da trama atravessou gerações e inspirou um sem número de adaptações, percorrendo teatros, telas de cinemas, games e sedimentou-se, em definitivo, na cultura pop. De fato, ainda que não se tenha lido o livro, certamente todos conhecem o motivo central da obra: a dupla personalidade do personagem, o debate moral e ético travado entre o Dr. Jekyll e o Sr. Hyde.

 

Tudo começa com a perplexidade do Sr. Utterson diante do testamento de seu cliente, o Dr. Jekyll.  O advogado não compreende os motivos que levariam o médico a deixar todos os seus bens para o absoluto desconhecido Sr. Hyde, de quem nada se sabe. O que os amigos próximos não sabem é que Jekyll e Hyde são a mesma pessoa, cada qual carregando uma personalidade distinta: o primeiro é o ordeiro e contido membro da sociedade; o segundo, um homem amoral que dá vazão aos sentimentos mais obscuros e atrozes do médico.

 

Um livro ágil, curto, e que explica muito bem todos os seus imbróglios e desventuras. O grande mérito da obra é justamente esse: é extremamente bem resolvido, não deixando qualquer ponta em aberto – vide o excelente último capítulo. No fim, Dr. Jekyll buscava viver plenamente, construindo uma segunda personalidade para colocar em prática tudo aquilo que não teria coragem de realizar no ambiente pacato de sua vida. As coisas acabam ficando inadministráveis e o médico aprende, da pior forma possível, que viver é assim mesmo: um eterno rasgar-se e emendar-se. 

 

Motivos para ler:

1– O médico e o monstro é um clássico da literatura universal. O escocês Robert Stevenson teve uma vida muito curta (1850– 1894), mas deixou ao menos dois livros que se tornaram instantâneos clássicos e são reverenciados até hoje: a obra ora comentada e A ilha do tesouro;

 

2– Talvez o Sr. Stevenson não tivesse consciência da proporção que sua pequena novela gótica ganharia ao longo do tempo. É curioso notar como algumas obras de desgarram do autor original para se transformarem em verdadeiros standarts de inspiração. É o caso. Além das adaptações para todos os seguimentos da arte, o argumento do livro prossegue irradiando efeitos. O personagem Hulk e o livro/filme Clube da Luta derivaram dele. Há notícia de que Joaquim Phoenix, laureado com o Oscar por Coringa, estrelará um filme protagonizando Jekyll e Hyde. Perceba o tamanho da obra: é inesgotável;

 

3– O livro traz também uma lição: não se controla o incontrolável. Sentimentos obscuros, se não forem devidamente contidos, causam estragos. É, inclusive, uma noção que influenciou a própria Ciência Política moderna, que segue uma regra científica básica: não se pode pretender controlar um governante despótico. É uma fantasia pensar que alguém desvirtuado e moralmente defeituoso ocupará um cargo de poder e o seu entorno político o “amansará” ou o chamará à boa razão. O médico não domina o monstro. No livro, essa constatação se deu tarde demais. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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