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Como preservar a saúde emocional durante a pandemia

19/06/2021
Como preservar a saúde emocional durante a pandemia | Jornal da Orla

Além das centenas de milhares de mortes, milhões de sequelados e prejuízos financeiros incalculáveis, a pandemia também está provocando danos na saúde emocional das pesssoas. Medos, incertezas, decepções e desalento estão entre os sentimentos presentes em praticamente todos. Assim, é preciso preparar a mente para enfrentar a atual tempestade e, quando a situação tiver um grau razoável de normalidade, retomar as atividades pessoais, profissionais e sociais.

Doutora em Psicologia Social, Gisela Monteiro fala sobre como preservar a saúde emocional, conviver com negacionistas e que ensinamentos podemos tirar desta complexa crise sanitária. 

 

AS PERDAS 
A saúde mental da população já não vinha bem antes da pandemia e a situação só se agravou. O principal problema são as perdas, a começar pelas humanas: parentes, pessoas próximas. E esse luto não é simples, de uma pessoa que morreu em um acidente, por uma circunstância imprevisível. Milhares dessas mortes poderiam ter sido evitadas. Não houve do governo cuidado para obtenção de vacina e tratamentos mais adequados orientados pelos órgãos internacionais. O luto é um processo que consome uma energia psíquica grande, um tempo de elaboração. Quem está envolvido neste processo tem dificuldade de trabalhar, se concentrar, se alimentar, dormir, levar sua vida cotidiana como ela deve ser. 

Podemos pensar nas perdas materiais, quem perdeu um emprego ou tem um negócio comprometido ou teve que ser fechado. Essas perdas se refletem na perda emocional. Com isso temos a incerteza, neste momento temos a perspectiva de vacinação, mas ainda é uma interrogação. Se de fato acontecerá e como será a retomada da vida, das aulas, das atividades econômicas, esta incerteza permanece. 

 

Problemas mais comuns
Os dados oficiais fala muito em ansiedade, depressão e insônia. Mas estar mal neste momento é natural. Eu me preocupo mais com quem aparentemente está saudável, desconectado da própria realidade, tocando a vida como se nada tivesse acontecido. Revela uma dissociação. Eu nunca tive tanto trabalho, mas eu não queria ter tanto trabalho com pessoas tão sofridas. Estamos vendo quadros de pessoas com problemas alimentares, engordando. Estão mais tempo dentro de casa, mais perto da geladeira, ansiosas, preocupadas, sem fazer atividade física. 

E os problemas relacionais. As pessoas tiveram que conviver sob o mesmo teto, algumas famílias se aproximaram mas algumas tensionaram as relações, ficaram mais difíceis. 

 

Decepção com as pessoas
À medida que as características do outro afloram, que estavam escondidas num cotidiano mais rápido e onde a  convivência era menor, vem a decepção. Até por conta do comportamento de pessoas que se recusam a cumprir normas sanitárias. 

A decepção faz parte da vida. Os adultos teriam mais recursos para administrar isso, mas penso que isso faz parte do processo de amadurecimento, poder enxergar aspectos do outro que antes não conseguíamos. É aquela história de ter um amigo de 10 anos, mas quando faz uma viagem de 10 dias com ele, a coisa muda completamente. Estamos vendo isso em muitos casamentos, olhar de perto pode ter aproximado mas também pode ter assustado. As pessoas assustadas ficam sem chão, sem saber o que fazer. Sugiro que as pessoas não se precipitem em tomar decisões, como se separar, e sim assimilem e se deem um certo tempo para entender o peso disso na relação, e não tomar decisões intempestivas.

 

Negacionistas
Uma coisa é discutir política, mas não é disso que se trata. Se é uma pessoa que você tem afeto talvez dar tempo ao tempo e não haver um enfrentamento, pode ajudar. Se há uma radicalização e uma negação, aí o enfrentamento é um processo natural, e tem que haver. O conflito não significa ofensa, humilhação, agressividade e violência. Conflito entre pessoas maduras significa argumentação.

 

Pessoa que crê em mentiras
Ser adulto e ter razoável saúde mental significa ter dúvidas. Tenho muito medo de pessoas que tem convicções inabaláveis. É preciso comparar as convicções com a realidade. Não se trata de achar que a vacina “pode” funcionar. As vacinas estão funcionando, isso é um fato. E não há problema em mudar de opinião, é bastante saudável. A pessoa corre o risco de ficar muito distante da realidade e perder contato com pessoas, perder trabalho. 

 

Volta ao normal
Sou um pouco pessimista. Não acho que as pessoas vão sair melhores, no sentido espiritual, grandioso, de lições do tipo “a vida é tão frágil, vamos valorizar”. Vamos sair muito piores, talvez demoremos uma década para nos recuperarmos. O que sugiro é que as pessoas façam uma auto-observação, autocrítica, e escolham de que forma vamos nos recuperar e nos recolocar na vida. As artes, os esportes terão um papel fundamental, para que a gente não mergulhe apenas nas mazelas, nas dores, no sofrimento, mas tenhamos possibilidade de espairecer um pouco, sonhar um pouco, sair pelo caminho da arte para nos salvar desta realidade que tem sido tão dura.